— Alguém quer falar sobre o que comentamos na semana passada?

Esperou, virando o rosto para detectar qualquer vislumbre de interesse. Segurou a vontade de suspirar — transparecer sua exaustão parecia deixá-los mais engajados em serem ruins.

Todos os prisioneiros eram mais velhos que ela. Apenas um parecia ter quase sua idade, mas, assim como a maioria, sempre entrava na sala com um olhar reprovador e desinteressado, como se fosse culpa dela. Homens e mulheres, brancos e negros, gordos e magros: não importava quem fossem, o que tinham feito, o que queriam ou não fazer, ela os faria aprender.

Por bem ou por mal.

— Como Nebrya e Pardo viram a trégua como única saída para sobreviverem — respondeu uma mulher alta e rechonchuda, cujo dentes da frente apodreciam com o tempo, e o lábio cortado e avermelhado indicava que estivera em uma briga recentemente.

— Certo, isso mesmo. — Diana Maid talvez tivesse dito tais palavras com mais afinco, mais clamor. Mas sua filha, Emery, parecia prestes a enterrar a própria animação. — O que ficou conhecida como a Guerra das Mil Espadas foi separada, na história, em dois momentos: o primeiro, nós falamos, quando conflitos de interesse fizeram dois grandes impérios se enfrentarem e, com isso, cada um deles puxou países menores para a luta; o segundo momento é o assunto da próxima semana. Hoje, contarei a vocês o que aconteceu no intervalo entre eles. O por que e como.

O mais novo da turma levantou a mão pela primeira vez em semanas. Emery preparou a mente para responde-lo sem grosseria.

— Conseguiu o que te pedimos na última vez?

Emery apertou os olhos, criando linhas de expressão ao tentar lembrar.

— Ah, sim. Como eu disse antes, é impossível. — Realmente era. Nenhuma barganha faria o Diretor liberar aulas ao ar livre — Eu tentei, mas apenas perdi meu tempo.

O rapaz, Davi, cruzou os braços sobre o peito e direcionou sua voz para baixo ao responder:

— Como é a sensação de estar em nosso lugar?

Emery poderia ter rebatido, mas, em vista de ser uma verdade, apenas ignorou.

Então começou a contar, com o máximo de detalhes que conseguia lembrar, vez ou outra respondendo algumas perguntas — umas mais inteligentes que outras. À medida em que falava, os prisioneiros pareciam realmente interessados, como se a tragédia natural fosse a única maneira de atingir o lado mais humano daqueles ladrões e assassinos.

— Os oficiais começaram a reparar que muitas mortes não aconteciam nos enfrentamentos entre os exércitos, mas sim antes, ou depois, com soldados lamuriando no chão, nas tendas, na beira de rios... Algo chegava lento e silencioso, atingindo em etapas, mas em grande escala. Os respectivos governadores da época, Synrise Eshya de Pardo e Hagas Elran I de Nebrya, preocupados em ter seu exército diminuído e, consequentemente, levado à derrota, decidiram dar uma trégua na guerra que já se estendia para seu quarto ano, sem previsão nenhuma de fim.

Emery explicou como foi a primeira aparição da praga negra, conhecida assim por fazer as vítimas vomitaram sangue tão escuro quanto a noite sem estrelas. Cada detalhe fazia seus alunos resmungarem ou torcerem o nariz, enojados e agradecidos por não fazerem parte da época.

— Até hoje ninguém opina confiantemente no surgimento da praga. Os mais religiosos culpam a própria guerra, como incentivo para os deuses condenarem os pecadores.

— Como se a própria guerra já não fosse pecado o suficiente — resmungou Davi.

Outra vez, Emery preferiu não responder, sabendo que o silêncio significava concordância.

Artoris - O Preço da VingançaWhere stories live. Discover now