#3- A casa mágica

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— Você gosta de mim? - Sussurrou Helena, me abraçando forte.
— Sim! - Respondi enquanto me virava de frente pra ela.
— E essa lágrima? Gostar de mim é ruim? - Passou levemente o indicador em meu rosto, dissipando a lágrima, mas outras vieram.
— Eu não posso gostar de você. Eu sou hétero, eu nunca quis ficar com uma mulher antes! E...
— E? - Beijou meu queixo, o que fez minhas pernas amolecerem.
— Tem o Mateus, meu namorado. - Falei, querendo não falar.

Assim que eu mencionei Mateus, os braços dela se afrouxaram até me soltarem por completo. A expressão no rosto de Helena transmitia tristeza e raiva.
— Vamos voltar pra casa. - Ela foi até a areia e começou a se vestir. Eu continuei no mesmo lugar. — Vem, Marcela! - Insistiu, impaciente.
— Você não tem que ficar brava comigo! - Gritei, saindo da água.
— Se veste, vamos logo!

No caminho de volta, o silêncio mais impiedoso que já presenciei. Ao chegarmos, desci correndo do carro e corri para meu quarto. Já não conseguia chorar mais, meu estado era de choque. O que estava acontecendo, afinal? Por que razão doía tanto? Pensar em Mateus me gerava muita culpa. Ele era um bom namorado, na medida do possível: me tratava bem, dava certo com meus pais, era engraçado, estudioso... Mas eu nunca senti por ele (por ninguém!) algo na intensidade do que sentia por Helena.

Poxa, eu era hétero?! Desde quando as pessoas mudam sua orientação sexual assim, do nada? Foi do nada? Já vinha acontecendo algo e eu não percebia? Meus pensamentos foram interrompidos por batidas na porta.
— Marcela? - Era a voz de tia Alice.
— Oi, tia. Entra.
— Ainda tem almoço, quer? - Perguntou pela porta entreaberta.
— Não, eu comi. Obrigada!

Quando a porta se fechou, outro tipo de preocupação sobre tudo isso me ocorreu: e minha família? Como reagiriam ao fato de eu amar uma mulher? Tio Fábio e tia Alice acolheram Helena quando foi expulsa de casa por ser lésbica, mas as coisas costumam ser diferentes quando é com gente próxima. Meus pais não eram de ir à igreja, mas também não eram desprovidos de crenças religiosas (material de quase todo preconceito sexual).

Comecei a calcular em quanto tempo conseguiria minha independência financeira, se Helena se mudaria pra cidade comigo, se eu conseguiria viver na fazenda, se tudo isso não ia passar em alguns meses, semanas. Se, se, se... Meu telefone tocou, era Mateus. Não atendi, não conseguiria falar com ele naquele momento. Percebi que, de repente, o via como um estranho.

Na fazenda, não havia acesso à internet, o que me impedia de pesquisar depoimentos ou grupos de pessoas que pudessem me ajudar a entender minha situação. Me senti só, desamparada. Não teria coragem de falar com nenhuma de minhas amigas sobre isso, elas provavelmente ficariam estranhas comigo ou achariam ser bobagem da minha cabeça.

A única pessoa com quem eu poderia falar sobre o que sentia por Helena, era a própria. Respirei fundo, ensaiei algumas palavras e fui atrás dela. A encontrei colocando sal para as vacas (eu não sabia que vacas se alimentavam de sal também). Quando ela me viu, ficou inquieta.
— Helena, a gente precisa conversar.
— Não precisamos. Esquece o que aconteceu na cachoeira, eu achei que tava acontecendo algo entre a gente...
— E estava. Está! - A interrompi. — Eu gosto de você, eu me sinto atraída por você, mas eu não sei lidar com isso! Eu nunca gostei de uma mulher antes!
— Você tem um namorado. Sabe o que acontece quando tem um homem no meio da história? Ele vai ser escolhido no final. Por isso, eu não vou insistir em você. Desde que você chegou, eu fiquei balançada, me senti como eu não me sentia desde a Maria, eu me senti feliz! Eu não posso me permitir sofrer como eu sofri oito anos atrás.
— Maria é quem eu tô pensando? É a filha do seu ex-patrão?
— Sim. Eu me envolvi com algumas meninas depois dela, mas não era nada, sabe? Eu não sentia nada que se comparasse. E até você aparecer, eu pensei que fosse porque o primeiro amor era o único possível, mas não.
— Então, você gosta de mim? - Perguntei, ansiosa.
— Não seja sonsa, Marcela! Claro que eu gosto! Não chega a ser amor, eu acho, eu quase não te conheço, mas eu sinto um negócio forte. Não que isso importe agora... Olha, eu vou ficar longe de você, não quero sofrimento pra ninguém.
— Helena, eu quero tentar. - Falei num impulso, mas com toda certeza que se pode ter.
— Marcela...
— Eu quero tentar! Me deixa tentar! Eu só preciso que você me ajude a entender o que é tudo isso. Eu sinto que se eu não viver isso aqui, não vou me perdoar nunca!
— Eu não quero ser um experimento seu, um caso de férias.
— Você não ficou com outras meninas e deixou pra lá depois? A gente pode tentar assim, algo mais casual. Se parecer insustentável, a gente repensa.
— Eu não sei, cara... - Ela balançava a cabeça negativamente e limpava o suor da testa.
— Não pensa demais, porque aí eu vou pensar demais também e já tô exausta de pensar!

MULHERES DE CONCRETO E TERRAWhere stories live. Discover now