Capítulo 3

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Preston olhava divertido para Liria e a Arquimaga, que encontravam-se entediadas na reunião que acontecia naquele momento. Haviam vários oficiais, os líderes, os Elders, um Noah apático e um Kane sonolento. Discutiam o que fazer a respeito da Guarda, quando talvez tivessem um problema muito maior para pensar. Alguém estava responsável pelos selos, de nada adiantaria naquele instante chegar a ambarianos rebeldes, caso não descobrissem quem estava conjurando aqueles portais. Um oficial holt se ofereceu para rastrear a Guarda, juntamente com alguns graimes e soldados heracs. Niel, o mago escolhido para liderar os graimes na expedição, concordou, um tanto relutante, já que se encontrassem um portal, não tinha ideia de como fechá-lo.

Uma nova grande discussão começou, sobre como fechar os portais, pois Lyra não poderia estar com eles o tempo todo, e o que fariam no caso de encontrar portais. Lorde Rupert andava calmamente pela sala, tomando seu chá e ouvindo cada opinião ou disparate, resignado. Gostaria de saber o momento em que aquilo começou a acontecer no reino. Não era difícil para o senhor do Castelo Ambar admitir que um velho inimigo poderia estar de volta. Mas como diriam aos demais, e como lidariam com isso, seria um problema se continuassem preocupados com questões menores.

— Majestade, houve alguma invasão como essa antes? — Lyra perguntou.

— Não. Como essa foi a primeira. Mas temos investigado, e achamos possível que algumas criaturas vindas de portais estejam vivendo nos arredores de Maherac — o Rei não parecia feliz ao contar isso para a Arquimaga.

— Preston estava ciente disso? — ela questionou, sem qualquer tipo de cerimônia, deixando a sala num silêncio profundo.

— De maneira alguma, ou já teria enviado Phranor e Mikael para conter esse avanço. — O Elder olhou para o Rei.

Elran era o tipo de monarca controlador, apesar de reinar com justiça e ser adorado pelos súditos. Sem dúvida evitaria que aquela notícia se espalhasse o tempo que fosse possível. O Rei começou a falar sobre os primeiros sinais de que algo não ia bem, quando os locais onde portais haviam sido abertos começaram a emanar uma energia estranha e houve o surgimento de uma nevoa tênue em alguns deles. No começo, não havia selo algum. Magos foram chamados para conter o poder que vinha daqueles locais, e aparentemente conseguiram. Mas, por eles devem ter passado criaturas, algumas delas foram encontradas e mortas, mas outras, se misturaram aos povos. O maior temor do Rei era que ele conseguisse abrir o portal onde estava a coroa de Kael, pois segundo alguns estudiosos, o Herói Corrompido havia conseguido ressurgir por meio de magia e da sua coroa, e agora tentava retornar à Ambarys.

— Preciso de um mapa detalhado, de onde surgiram esses portais, desde o começo. — Lyra encarou Elran. — Se existe a possibilidade de Kael voltar depois de centenas de anos, imagino o quão poderoso ele pode ser.

— Eu não entendo. Kael não foi morto, e então Noah I foi aclamado rei, e toda a história que todo ambariano conhece... — Kane olhou para Lyra.

— Não se sabe ao certo até que ponto Kael se envolveu com a magia de Ambarys, ou de outros reinos. Mas ele queria usar magia, e conseguiu. — Preston parecia preocupado.

— Eu espero que sua fama lhe faça jus, Príncipe Kane, pois se ele realmente pretende voltar à Ambarys, virá atrás da sua adaga — Liria comentou.

Foi a vez de Lyra andar pela sala, perdida em seus próprios pensamentos. A adaga havia escolhido um portador, mas o cetro e a espada ainda estavam perdidos. Não havia graime que chegasse ao mosteiro, que não pesquisasse ou fizesse teorias de onde poderia estar o cetro do Arquimago. Não havia holt que não tivesse buscado encontrar a espada de Nerar, nas minas holt, onde acreditavam estar escondida. Tinha ela própria a teoria de que, antes de morrer, Arnon Eldriast enviou as armas dos heróis para algum lugar que fosse impossível para Kael resgatá-las. Se havia se dedicado a algo no mosteiro nas horas de ócio na biblioteca, estava certa que o cetro poderia ter sido transformado em qualquer outro objeto, assim como ela mesma fazia com seu cajado. E essa ideia a assustava. Poderia estar em qualquer lugar em Ambarys.

Precisavam manter essas armas longe das mãos de qualquer membro da Guarda de Kael e gostaria de saber se eles tinham alguma pista.
Pensou em descer ao calabouço e sondar com o enviado pessoal de Kael, mas teria que ser rápida e extremamente discreta para que ninguém a seguisse. Estava no castelo herac, rodeada da elite dos caçadores, seria uma tarefa mais difícil do que se estivesse em Ihgraime ou Koholt, e um risco, já que isso poderia desagradar seu anfitrião. Talvez à noite, por que pela quantidade de oficiais que estavam no Castelo Branco, certamente teriam outro banquete mais tarde. Esperaria. Quando estivessem todos tomado suas taças de vinho graime e conversando animadamente, daria um jeito de escapar para o calabouço.

O jantar já ia longe quando a oportunidade finalmente surgiu. Com os convidados dispersando em grupos pelo salão, Lyra percebeu que poderia sair às escondidas sem que ninguém notasse. Deixou para trás o burburinho animado e seguiu pelo corredor, alcançando o salão principal. Dirigiu-se calmamente para a ala Oeste, e depois de cruzar mais alguns corredores, chegou à escada que a levaria ao calabouço. Conjurou uma esfera de luz e seguiu com cuidado pelos degraus, até chegar à entrada. Percebeu que havia uma movimentação lá dentro e convocou o cajado. Poderia ser um guarda fazendo seu trabalho e nesse caso teria que usar algum recurso para que não a visse lá. Tinha certeza de que ele iria rapidamente avisar a Noah onde ela estava e não queria a companhia do príncipe naquele instante.

Aleenthuum, ela disse baixinho e o vigia foi se encostando nas grades, tomado por um sono irresistível. A maga passou por ele, atenta, a fim de saber se havia mais algum guarda lá, e felizmente não havia, então aproximou-se da cela onde estavam os dois prisioneiros restantes. O espectro aprisionado continuava da mesma forma desde quando deixara o calabouço no mesmo dia, e o herac parecia cansado, nada confortável em suas correntes.

— Ora, Arquimaga, não faz nem um dia — ele falou, esboçando um sorriso. — Minha companhia lhe parece mais interessante que a do príncipe?

— Depende muito do que eu ouvir de você — ela rebateu, olhando para o outro prisioneiro. — Se você colaborar, quem sabe possa ser enviado às minas. Talvez um pouco de disciplina holt possa ensiná-lo a não trair seu povo.

— Confiaria que eu nunca mais lutaria por Kael? — perguntou ele, sarcástico. — Ele me acharia em qualquer lugar, se eu o traísse. O mestre jamais perdoa traição. Ele não perdoou os heróis, imagine o que faria comigo. Além do mais, eu já entreguei minha vida à causa dele. O mestre me deu um presente, eu só não tinha coragem de usá-lo até agora.

Enquanto Lyra observava o prisioneiro que começava a se contorcer, percebeu que mais alguém estava se aproximando. Da escuridão ela viu um par de olhos brilhando como os de um felino, e em seguida uma flecha passou voando por ela em direção ao prisioneiro, matando-o quase que instantaneamente. Lyra iluminou o calabouço e viu um serviçal do castelo, de posse de uma besta, se preparando para atirar uma flecha em sua direção.

A maga saiu do campo de visão dela, e lançou uma esfera de fogo através das grades. Não pretendia feri-la, e sim capturá-la. Havia se afastado alguns metros, desviando-se das flechas que ela atirava, e foi nesse instante que ela viu um portal se abrir dentro da cela. O corpo do prisioneiro se transformou em chamas e delas surgiu um guerreiro herac monstruoso e poderoso. Lyra o viu cortar a cabeça do outro prisioneiro com suas garras, libertando o espectro, e em seguida arrancar as grades que o prendiam.
Observou a jovem serviçal desmaiada enquanto preparava-se para atacar o espectro que flutuava em sua direção. Conjurou esferas de fogo ao se desviar das garras do guerreiro. Usou o cajado para bloquear suas tentativas de atingi-la e foi rápida o bastante para lhe enviar um poderoso choque antes que o espectro alcançasse seu pescoço. Ela apontou para o guerreiro, jogando-o contra as grades a alguns metros dela, fazendo-o gritar, furioso.

Não tinha outra alternativa a não ser eliminar o espectro, já que mantê-lo vivo dentro do Castelo Branco seria arriscado. A maga apontou o cajado e fez um gesto com a mão esquerda, como se estivesse o estrangulando, fechando-a com raiva. A fumaça negra densa parou por um instante, e emitiu um silvo agudo antes de se desintegrar aos pés da Arquimaga. O guerreiro não se intimidou e partiu para cima dela, furioso, quando ela viu alguém muito rápido se colocar entre eles. A túnica militar vermelha não deixava dúvidas de quem se tratava. O príncipe assassino ergueu a adaga de brilho etéreo e passou rapidamente pela criatura, que caiu morta no mesmo instante. Lyra o viu voltar-se para ela, se aproximou muito sério e a maga temia que talvez ela quem fosse parar atrás das grades naquele momento.

— Milady, está ferida? — Ele segurou sua mão esquerda, onde havia sido arranhada pelas garras do seu oponente.

— Eu estou bem. — Ela sequer havia sentido quando fora ferida. — Mas parece que a Guarda de Kael se infiltrou no Castelo Branco.

Kane aproximou-se da jovem ainda estava no chão, que parecia atordoada. Ela olhou espantada para o príncipe e para a Arquimaga. Lyra se aproximou dela e mandou que se levantasse. A moça fez o que ela disse, e Lyra pronunciou um encantamento em voz baixa. Uma luz fraca apareceu por baixo das vestes dela, na altura do colo, e a maga imaginou ser um colar.

— Foi meu noivo quem me deu, Milady, eu não compreendo. — Ela chorava, nervosa.

— Onde está ele agora? — Kane se aproximou das duas.

— Ele foi à Myran, buscar encomendas para os comerciantes de Maherac. — Ela baixou os olhos diante da presença do príncipe.

Lyra pediu a ela que lhe desse o colar, pois estava enfeitiçado, e a moça a obedeceu rapidamente. Depois a dispensou, lembrando que conversariam com mais calma no dia seguinte. Kane voltou para o guerreiro herac que havia sido transformado num monstro, e pensou por um instante que a Arquimaga sabia o que estava fazendo.

— Não deveria ter descido ao calabouço sozinha, Arquimaga. — Ele observou-a enquanto ela examinava a flecha atirada no prisioneiro.

— Eu estava com tudo sob controle — ela disse, voltando para o corredor. — Acho que podemos voltar.

— Melhor ver um curandeiro. — Ele apontou para a coloração arroxeada que havia aparecido no ferimento dela.

O príncipe aproximou-se dela, o suficiente para ampará-la enquanto ela sentia a mão formigando e uma ligeira tontura. Kane ia pegá-la no colo, mas ela balançou a cabeça negativamente, subindo as escadas com a ajuda do príncipe. Sem alarde, ele chamou Niel aos aposentos da Arquimaga para que a medicasse. Mas para ela aquele ferimento era mínimo, e não a distraía do que realmente importava. Havia algo estranho acontecendo em Myran. Alguém poderoso estava ajudando a Guarda, nos arredores do Mosteiro, e ela iria investigar.

Loyalty - Reclamada Pela Realeza - Duologia AmbarysOnde as histórias ganham vida. Descobre agora