Hora certa.

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Desde pequena fui ensinada a levar a vida com naturalidade. Minha mãe, fugiu logo após meu nascimento, me deixando nos braços do meu pai, jovem demais e perdido demais para dar conta de uma criança. Pelo menos era assim que o tachavam. Entretanto, fui criada assim, apenas por ele, numa casinha pequena no interior de São Paulo, onde passei quase toda minha infância brincando na lama da fazenda da minha Avó junto aos meus primos. Meu pai sempre foi meu exemplo de vida, além de pai, ele era parceiro e de longe, meu melhor amigo. Eu o contava tudo, tudo que deveria ser compartilhado com a minha mãe. Primeira festa. Primeiro beijo. Primeira vez. Meu pai estava por dentro e agia com total tranquilidade, esse era o rumo de nossa família. Até meu pai conseguir montar seu negócio em São Paulo e se estabilizar, nossa vida era difícil, mas vivíamos mesmo assim, felizes, esperando um futuro que após tanta confiança colocada sobre ele, chegou.

Criada em um lar sem tabus algum, o mundo fora me assustava. O preconceito rodeava, julgar, parecia mais fácil que elogiar. Apego demais, sem respeito algum. Compromisso sem amor. Era fácil brincar com o sentimento do outros, difícil, era estender a mão fielmente para alguém. Fugia dos meus princípios, e por isso, era julgada erroneamente.

Rodada, pegadora, fácil, sem limites. Essa era a minha fama no Colégio Grupo e se brincar, nos arredores onde andava em São Paulo também, mas isso não me afetava. Nunca amei ninguém, compromisso pra mim precisa desse sentimento ou de pelo menos, uma abertura para iniciar ele. E enquanto esse alguém que acarretava esse sentimento partindo de mim ainda não chegava, eu curtia a vida, sempre deixando claro minhas reais intenções, afinal, o corpo era meu, a vida era minha.

Porém, nunca pensei que algo tão natural quanto um "match" num aplicativo me deixaria tão feliz, ou quanto o selinho que o seguiu, me tiraria de órbita por alguns momentos.

Lica era parecida comigo. Vivia como queria, as vezes, agia impulsivamente, mas sempre sem má intenção. Gostávamos do mesmo estilo musical, coisa que descobri após comentarmos sobre a música dos Doces Bárbaros cantada na balada cerca de uma hora atrás. Mas éramos de fato diferentes na forma de ser. Ela era mais fechada, não se entregava facilmente, e segundo a própria, nunca se abriu de verdade para ninguém, já eu, me entregava toda, por completo, mas como disse a ela após um diálogo sobre superação, que partiu após ser pega observando meu...ficante (?) com a garota que amava, nunca entregava os pontos, ninguém me quebra.

Ela era incrível. A conclusão eu tirei na festa, onde tive a oportunidade de a conhecer de perto, mas já achava antes, ao vê-la se impondo ao seu próprio pai, apenas para exigir o direito de todos.

Lica dançava ao meu lado animadamente enquanto Tina cantava sua música japonesa no palco, e eu seguia o mesmo ritmo, junto a eu imagino, todo mundo do local. A gente se divertia uma com a outra, e as caretas que ela fazia propositalmente enquanto dançava me faziam rir.

-Vou pegar uma bebida, cê quer?—A garota ao meu lado propõe ofegante assim que a música encerra, e outra calma, antiga, segue no som do galpão.

-Claro! Te espero no sofá que a gente tava, beleza?—Ela assente com a cabeça, saindo em direção ao bar improvisado da balada e eu, ando rápido entre todos até o sofá vazio no canto da festa, tendo visão privilegiada de todo mundo se resolvendo, ou se complicando.

Alguns minutos se passam até Lica chegar com dois copos vermelhos na mão, me estendendo um e sentando ao meu lado.

-Jota e Ellen finalmente ficaram, dá pra acreditar que aqueles dois ainda estavam enrolando? É claro que ele gosta dela. —Ela comenta risonha ao meu lado e eu a encaro.

-Já disse, gente boba que precisa de aplicativo pra fazer o que quer.—Repito a frase dita por mim minutos antes de encostarmos nossos lábios. Er...Isso não deveria ser uma referência.

-E eu já disse, tem gente que não tem coragem de se arriscar, Sam.—Lica assim como eu, repete o que falou, encostando rapidamente o indicador na ponta do meu nariz após finalizar a frase, sorrindo, e arrancando um sorriso meu.

-Pensei que ia sobrar na festa hoje, todo mundo de casalzinho. —Ela fala, olhando ao redor e me fazendo lembrar do seu término com Felipe, meu colega de banda e mais ou menos amigo.

-Ah e você também não tá de casalzinho não? Eu sou o que?—Questiono brincando, cruzando os braços, a fazendo rir.

-Ainda bem que você foi meu match. Alguém que presta, finalmente.—Lica menciona ainda rindo fraco, me encarando por alguns segundos e atraindo o meu olhar, até quando, antes que eu perceba, já estou grudando nossos lábios num selinho rápido pela segunda vez na ocasião.

A balada ainda durou muito, era sexta-feira, amanhã, podíamos acordar tarde. Passei toda na companhia de Lica, as vezes, íamos interagir com os outros, dançar, pegar mais bebida, porém, no fim de tudo sempre voltávamos juntas para o sofázinho. Ela era interessante demais, e acho que ela tinha o dom de transformar qualquer assunto em uma conversa legal.

O local foi esvaziando aos poucos, até restar apenas as fives e seus respectivos parceiros...e eu. Keyla praticamente nos expulsa do galpão, alegando estar cansada e ainda ter que colocar Tônico, que havia acordado exatamente agora, para dormir. Saímos todos juntos e ficamos ali na calçada. Anderson e Tina foram embora minutos depois, Guto se despediu de todos rapidamente, perdendo um pouco mais de tempo em Benê, me fazendo sorrir vendo a felicidade do meu melhor amigo, e me sentir uma idiota por ter julgado aquele relacionamento. Ellen e Jota se afastam, discutindo alguma coisa nerd que só de pensar me entediava e eu e Lica ficamos ali, mais uma vez, jogando papo fora, até seu motorista chegar.

-Eu já vou. Quer carona?—Ela oferece, apontando pro carro preto estacionado bem em nossa frente.

-Não precisa! Já chamei um taxi, mas obrigada!—Sorrio, recebendo o seu sorriso em troca. Me aproximo a abraçando, e quando nos desvencilhamos, Lica deposita outro selinho em meus lábios. Terceiro. Oh céus. Ela dá as costas, andando até o carro e eu sorrio, mordendo o lábio inferior.

-É assim que você se despede das suas amigas?—Brinco, falando alto e atraindo seu olhar risonho.

-Nem é. Só de você.—A escuto falar no mesmo tom e rir em seguida, entrando no carro e então, se distanciando, me deixando ali, na calçada, pensando no dia vivido por nós e na ultima frase dita por ela, que por algum acaso, havia me deixado perdida.

Quando o taxi chega, dou o endereço para ele e coloco os fones, cantando baixinho a primeira música que surgiu no meu aleatório. Quando chego em casa, percebo que papai já está dormindo, e faço o menor barulho possível para não o acordar. Chego ao meu quarto e de imediato sinto o cansaço chegar. Ando até o banheiro e tomo um banho rápido, saindo já vestida em direção a cama e me jogando nela sem jeito. Pego o celular pela ultima vez no dia, vendo logo de cara a mensagem na tela de bloqueio.

Lica (Colégio Grupo):

[4:29] Chegou bem???
[4:29] É a Lica, não sei se cê tem meu número kkkkkk.
[4:37] Hj foi um dia maravilhoso!
[4:52] E eu acho que você já foi dormir, mas de qualquer forma, durma bem. E tenha bons sonhos. Bjo!

Eu não sabia o porquê, mas nessa noite, eu havia ido dormir sorrindo.

Cruel (Limantha)Where stories live. Discover now