Capítulo IV: A Chuva

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Após o mirante repleto das mais belas sensações, continuamos o nosso percurso rumo à Serra Lunar. A lua cheia que brilhava alto no negro céu salpicado de estrelas, lentamente desaparecia atrás das densas nuvens acinzentadas que se formavam. Quanto mais adentrávamos as rodovias, mais os carros de passeio ficavam anódinos perto das grandes carretas que transportavam toras de mais de três metros de comprimento. Haviam, ainda, tratores agrícolas e velhas pick-ups, que vez ou outra nos cortavam pela estrada, reforçando ainda mais a minha ideia de que Serra Lunar era um fim-de-mundo recheado de caipiras.

Avistei uma placa esverdeada na margem direita da estrada, com escritos prateados, que indicava que estávamos a poucos quilômetros do nosso destino. A ideia de refazer a minha vida, mais uma vez, inundava a minha mente e toda a expectativa parecia transbordar do meu estômago. Não sabia como me adaptaria a nova cidade. Não conseguia imaginar como as pessoas me tratariam. 

O medo do desconhecido assolava o meu coração, mais uma vez.

Inspirei profundamente e prendi a respiração. Aos poucos, fui recostando a cabeça na janela, sentindo o peito incendiar.

— Vocês adorarão Serra Lunar – a minha mãe tentou parecer animada. — Não é uma cidade muito grande, mas já pesquisei tudo sobre. Clarisse estudará no Colégio Cansas, e você, Léo, no Colégio Pirâmides. Há um boliche próximo de uma danceteria no Centro. Há também a "Tirolesa dos Andes". É um nome muito engraçado, eu sei, mas é a maior atração entre os turistas que a visitam.

Olhei para Clarisse e ela balançou a cabeça. A minha mãe sofria de logomania, que é um distúrbio no qual o indivíduo profere frases aleatórias e sem sentindo. Geralmente, acontecia quando estávamos prestes a chegar no nosso destino.

— Vocês sabiam que a cidade tem quase duzentos anos? – ela continuou, desenfreada. — O prefeito de lá se chama Romero Cansas. Serra Lunar já registrou cinco graus abaixo de zero. No mês de junho, é comum as pessoas pegarem as suas barracas e acamparem na Floresta do Beijo, o que, ironicamente ou não, coincide com a época do dia dos namorados. Olha – ela apontou para o céu –, aquela constelação parece um cachorro-quente.

Clarisse olhou para mim, suplicando que eu fizesse algo.

— Pode parecer loucura, mas, há alguns anos, a maternidade de Serra Lunar registrou o maior número de gêmeos univitelinos por metro quadrado. Em outubro, eles comemoram uma festa chamada "Pinheirada". Há várias brincadeiras no festival. Uma delas funciona em duplas e se chama "Vista-o de Pinha". Uma pessoa deve confeccionar um traje para a outra, a partir de um pinheiro. A melhor roupa ganha. Loucura, não? Acho que o meu esmalte saiu todo na mudança. Ah, um morador de Serra Lunar ajudou a criar um satélite há dois anos. Olhem só para isso! – ela puxou uma mecha do cabelo. — Acho que vou pintar o meu cabelo, assim que chegarmos lá. Poderíamos adotar um animalzinho, o que acham? Ele só não pode comer os rinocerontes que vou plantar no nosso dominó. Que tal deixá-lo na nossa varanda? Assim não correremos o risco de que ele coma a nossa decoração de Natal. Eu odiaria imaginar que um animal meu engoliu uma lâmpada e saiu por aí, com o rabo piscando. Seríamos processados pela Promotoria de Defesa aos Animais ou pela companhia elétrica? Não sei! De qualquer forma, pisca é um ótimo nome pra um satélite. Vocês estão calados. Deve ser a gasolina que está acabando. Querem um pouco?

— Mãe, acalme-se – segurei em seu braço, que estava trêmulo.

Ela estacionou a Kombi próximo ao posto de gasolina.

— Me desculpem – ela recostou a cabeça no volante. — Me desculpem, por favor.

— Está tudo bem – lhe disse, tirando o cinto de segurança. — A senhora deveria voltar ao tratamento.

As Doze Promessas de Clarisse (Degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora