Único

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Não sei como um ser humano consegue se prender dentro de um terno e com o agarre mortal de uma gravata envolta de sua garganta, se não fosse o bastante o nó que se alojou impedindo a minha respiração a porra dessa gravata somente agrava a situação.

Parado no limiar de entrada, observando o ambiente, flores decoravam o grande corredor, pessoas sentadas em conversas dispersas, ou comparando as melhores roupas entre as mulheres, homens que com certeza se arriscando a uma rápida espiadela em garotas com algo melhor a mostrar do que as suas digníssimas esposas, meros enfeites e ornamentações de homens ambiciosos.

Levanto minha cabeça e meus olhos encontram o personagem central desse show, em seu caro terno, bem cortado e alinhado, seu corpo amplo com ombros largos, sua cabeça raspada era o seu estilo a vários anos, mas algo falta em sua faixada, seus olhos negros estão fixos em minha direção, claro estou ao lado da grande porta, essa que seria a entrada de sua nova vida, uma a qual não faria parte, não como éramos antes de tudo cair ao chão.

Engulo seco minhas lamentações, hoje era um dia feliz a muitos, nossos amigos estão sentados à frente em apoio a você, teria que agradece-los por não deixa-lo sozinho em um momento importante em seu novo caminhar, gostaria de dizer-lhe que estou feliz por ti, mas seria hipocrisia de minha parte, prefiro não mentir para você, não mentir para mim, estou morrendo por dentro, estou perdido nesse momento.

Você insiste em olhar a sua frente, está à espera de seu futuro e seu passado está ao lado, as portas se abrem e uma fila entra trazendo homens e mulheres de braços dados e sorrisos radiantes, seriam as testemunhas de um entrelace.

Posições ocupadas, a música troca e pela ironia do destino a trilha sonora escolhida é mesma que nos embalou, o nó maldito ressurge das profundezas do inferno para desferir golpes em meu coração, a porta se abre novamente e dela surge um lindo vestido de noiva, uma mulher linda em seu sorriso glorioso, em seus olhos ao me ver o brilho de vitória e conquista, aceno com a cabeça em reconhecimento e felicito em silencio o seu desfecho, escoltada por seu pai, seus passos vão em sua direção, seus olhos está dirigidos a quem nesse momento?

Lanço um último olhar em você, me viro e pela porta que trouxe seu futuro, seu passado lhe deixa, descendo pelo longo tapete vermelho, me encaminho a um banco em frente a majestosa igreja, resignado sento-me e retiro do bolso de meu paletó uma garrafa inox repleto do liquido amargo, o abro e deixo o fogo do whisky queimar e dissolver o caroço alojado persistentemente em minha garganta.

Encosto meu corpo cansado no banco e fico admirando o barulho que vem de dentro de seu show, fecho meus olhos e deixo minha mente vagar pelo imenso mar de lembranças, dias felizes que nos encontrávamos, que compartilhávamos uma imensa sintonia, o começo de uma amizade que viera a ser transformada em algo mais forte com o passar dos anos, balanço minha cabeça e bebo mais um gole, a tentativa de amortecer os acontecimentos com esse líquido não está resolvendo, definitivamente eu preciso de algo mais forte, mas me recuso a sair do lugar antes dos acordes finais.

Oh...amargas lembranças que consomem o brilho de uma felicidade passageira, por um tempo fomos completos, minha insensível mente insiste em mostrar imagens de uma vida que pude ter um gostinho.

".... 24 de dezembro, primeira vez que iriamos comemorar essa data festiva com os amigos/família todos reunidos, depois de vários anos com o maninho enclausurado naquele maldito hospital, e mesmo antes disso, meus irmãos e eu não tínhamos a vontade de comemorar um natal, com nossos pais separados, meu pai em constantes viagens nos deixando a cargo de empregados, que mesmo eles tinham uma vida fora das paredes de nossa casa, o que fazíamos? Íamos até o sótão onde Noah ficava entocado e nos uníamos a ele em seu mundo solitário.

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⏰ Last updated: Dec 25, 2017 ⏰

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Um Conto de DelírioWhere stories live. Discover now