Capítulo 1 - Um novo dia

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Dezoito anos depois.

Phoenix, Arizona

Meu corpo estava dolorido, todos os músculos rígidos, clamando por um descanso. Eu quase podia sentir o ácido lático se espalhando pela minha coxa, como castigo por ter forçado além dos meus limites. De novo. E o olho esquerdo? Chegava a ter pulsação própria. Ah, como queria ignorar o toque estridente do alarme, mas ele martelava na mente! Com esforço, estiquei o braço para silenciar o maldito celular. Deslizei o dedo pela tela, e o brilho suave tornou-se mais intenso, iluminando os curativos na mão esquerda.

Sentei na cama, apoiando as costas contra a madeira fria da cabeceira e liguei o meu abajur favorito, que me acompanhou desde muito pequena, quando ainda pensava em ser bailarina e tinha o quarto todo enfeitado de sapatilhas cor-de-rosa e delicadas bonecas. A pequena dançarina de porcelana nele se equilibrava no salto com destreza, me lembrando do que poderia ter sido, das escolhas que fiz.

Crescer nunca foi fácil. Na vida de uma pessoa, havia momentos que definem quem — ou o que — ela seria quando adulta. Abandonar a dança foi o meu primeiro passo e, aos seis anos, não tinha nem noção disso. Os vestidos multicoloridos deram lugar às luvas de boxe. Em vez de pés machucados, eram as mãos que sofriam. A pálpebra esquerda voltou a latejar, me lembrando que não somente as mãos penavam, mas o corpo todo.

Ser uma garota e lutar não era fácil. Em um esporte dominado pela testosterona, sofrer assédio ou ser menosprezada por ter dois cromossomos X era o menor dos meus problemas. Aprendi cedo que precisaria do dobro de dedicação e de vitórias para ganhar respeito, mesmo que tivesse uma enorme facilidade: ser filha de um campeão e sócia do mais renomado centro de treinamento para pugilistas da grande Phoenix. Não podia reclamar e raramente o fazia. A vida de outras lutadoras era mil vezes pior do que a minha.

Minha carreira no boxe começou quando vi meu pai ser campeão pela primeira vez. Apesar da tenra idade, sabia que nada além da luta faria o meu coração bater tão rápido e de maneira tão intensa. Demorei um ano para convencer os meus pais, principalmente mamãe, a me deixar treinar. Aos seis, o boxe se tornou o meu momento pai e filha favorito. No começo, papai achava que era um capricho, uma fase passageira, como a antiga fixação por pôneis.

O tempo passou, e ele viu minha habilidade crescer. Agilidade. Força. Velocidade. Dons naturais que começavam a superar os do meu irmão mais velho. Olho roxo e machucados pelo corpo não me impediam de continuar. Eu queria aquilo e ansiava por mais.

Aos onze, passei a treinar na academia, junto com os garotos da minha idade. Meu pai era o dono, logo nenhum menino tinha coragem de falar nada. Todavia eu percebia os olhares, não era bem-vinda ali. Precisei derrotar cada um no ringue para que me encarassem com cautela em vez de desprezo.

Com vinte e dois anos, alcancei o ápice da minha carreira até então: fui campeã das ligas amadoras, dos torneios regionais, campeonatos estaduais e nacional, além de conquistar a sonhada medalha olímpica. De prata, não de ouro, infelizmente. Porém ninguém da academia tinha uma, nem mesmo meu pai.

Eu estava no auge, contudo me sentia vazia.

Estagnada.

O boxe ainda era uma nobre arte, como todo pugilista gostava de frisar, mas não tinha a glória de antes. O masculino já não era destaque na mídia, e no feminino tudo se tornava ainda mais difícil. Poderia ter uma carreira de sucesso e não ser memorável. Talvez fosse a lembrança de como meu pai era reconhecido e amado no mundo todo, talvez eu tivesse puxado à minha mãe mais do que pensava e quisesse os holofotes em mim também. Não tinha certeza, porém sabia qual era o meu desejo: precisava de mais.

Muito mais.

Um abismo se abria diante de mim e eu tinha duas opções: acatar o desejo de papai e continuar na nobre arte ou sucumbir ao que o público amava e alcançar o sucesso popular.

(AMOSTRA) Badboy Lutador - vencer não é o maior prêmioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora