Capítulo 4 - Enrico

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LEONARDO

Mauro? Ele me chamou de Mauro? Por um breve segundo me faltou ar nos pulmões, e se não estivéssemos dentro do lago, certamente eu cairia para trás.

"Eu não sei do que você está falando,"  respondi, desviando o olhar. "meu nome é Leonardo."

Enrico levantou uma sobrancelha, olhou fixamente para mim, aparentando estar desconfiado, e logo depois deu de ombros.

"Léo então!" disse ele com seu jeito simplista. "Como eu dizia, Léo, eu queria mesmo te conhecer."

"Aé? Desde quando?" Perguntei.

"Não faz mais que uns minutos." Ele sorriu.

"Ah sim..." Parecia ser bem normal para ele, dizer isso com essa praticidade. "E por quê?"

"Sabia que ia fazer essa pergunta..." Ele disse.

"Você disse que 'isso' não iria funcionar aqui..." Infelizmente eu tinha o péssimo hábito de interromper as pessoas, as vezes antes mesmo que elas respondessem o que eu tinha perguntado. "Como sabia o que eu estava pensando? E onde estamos?"

A maioria das pessoas fica irritada com tantas perguntas, ou quando eu corto na metade o que elas estão dizendo, mas Enrico só pareceu ficar ainda mais feliz com minhas perguntas extras. Ele olhou em volta e alternou entre sorrisos diferentes.

"Estamos em um lugar muito libertador." sua voz era calma e animada ao mesmo tempo. Ele puxou minha mão com delicadeza, me convidando a boiar de costas junto com ele. Eu achava que não sabia boiar, mas boiei. Então enquanto olhávamos para o céu, ele continuou. "Não posso saber o que você estava pensando, nossos pensamentos são algo muito íntimo e privado. Mas o que você estava tentando fazer libera uma energia, eu pude sentir essa energia. E, bom... eu te observei enquanto você estava na cidade, você mudou algumas coisas no cenário, alterou o tempo, é fascinante o jeito que você utiliza sua habilidade, com tanta confiança, sem nem saber o que está fazendo e sem perder o equilíbrio."

Muitas coisas das quais ele disse me deixaram confuso. "Energia... Habilidade...?" Era estranho, porque não nos comunicávamos olhando um para o outro, e sim para o céu e as nuvens. Me sentia tão confortável boiando na água, como se estivesse deitado na minha cama. E de certa forma eu estava – deitado na minha cama.

"O fato é que apenas metade da população mundial já passou por pelo menos uma experiência de um sonho lúcido." Ele explicou.

"Espera, com sonho lúcido você quer dizer o momento que eu percebi que estava sonhando?" Perguntei.

"Sim." respondeu Enrico. "E a restrição vai aumentando. Apenas 20% realmente possui a habilidade de entrar em um sonho lúcido, ou seja a habilidade de perceber que está em um sonho, mas mesmo com a habilidade elas só conseguem ter cerca de um sonho lúcido por mês."

"Entendi. É dessa habilidade que você estava falando? De ter um sonho lúcido"

"Sim, mas não é apenas isso, Léo. A habilidade vai muito mais além de apenas perceber que se está em um sonho."

"Todas as pessoas que têm sonhos lúcidos conseguem controlar os sonhos?"

"Desses 20%, muitos não sabem lidar com a habilidade e acordam logo depois de descobrir que estão sonhando... Apenas 5% consegue manter o sonho por um período razoável, e no final só 1% consegue ativar a habilidade quando bem entende e controlar o que acontece no sonho."

"Então eu tenho um tipo de doença rara... É isso que você tá me dizendo?"

Enrico caiu na risada, sem se importar de perder a pose, ele afundou, parando de boiar e voltou a superfície.

"Vem comigo." Mais uma vez ele pegou minha mão e me puxou para nadar. Fomos para a parte funda, então Enrico começou a fazer um gesto engraçado e de repente estávamos dentro de uma bolha gigante. "Sentiu a energia quando criei a bolha?"

"Isso é muita loucura para um sonho só."

Agora Enrico pareceu ficar chateado.

"Não é apenas um sonho." disse ele, sua voz em tom sério pela primeira vez. Enrico abriu todo o espaço na água sobre nós para que pudéssemos continuar a olhar o céu.

"Sim..." Admiti. "Eu senti a energia."

Enrico voltou a sorrir. Então ele me explicou mais detalhadamente como funcionava a energia que era liberada, que requeria esforço mental do seu corpo real fora dos sonhos, isso gerava ondas cerebrais diferentes das que são emitidas durante um sonho e muitas pessoas não sabiam lidar com essa informação, seus cérebros reconheciam a energia como uma atividade consciente – que se faz quando está acordado.

"E por que não consigo fazer isso aqui? Não era para ser um lugar libertador?" Arqueei as sobrancelhas.

"Por mais que ainda esteja sonhando, aqui você não está dentro de seus sonhos. Não pode criar suas regras." Ele respondeu.

"Então estou dentro dos seus sonhos?" Perguntei.

"Não. Eu não sonho, eu habito aqui."

"Certo...Então, afinal, o que você é?"

"Me chamam de Incubo."

"E quantos por cento da população tem a chance de bater um papo com o senhor Enrico Incubo, num lago tranquilo como este e olhando para o céu debaixo d'água?" Ironinzei. Risos. Certamente esse era o sonho mais louco que já tive na minha vida.

"Bom, neste lago... ninguém, além de você"  ele explicou com sua simplicidade aparentemente usual. "Este cenário foi feito especialmente para você. Mas o que acho que você quer saber é que muito menos de 1% de população conhece um Incubo como você."

O encarei por uns segundos. "Deve ser solitário..." arrisquei dizer.

"Você não entende, Léo... Eu sou um predador. Você só está aqui porque gostei das suas habilidades. Isso me impressiona."

Não contive minhas risadas e gargalhei. "Desculpa, predador do que?"

Ele franziu a testa, fechando suas sobrancelhas. "Você poderia estar morto." ele disse bem sério, e não havia simplicidade nisso, ele estava sendo praticista desta vez.

"Isso é apenas um sonho."

"Sim." ele sorriu, então voltou a olhar para o céu. "Mas um sonho não é apenas um sonho, como você imagina."

Senti um frio na barriga, o que ele quis dizer com isto?

"Quando você acordar não esqueça de anotar tudo." Ele recomendou.

Então de um segundo para o outro, o cenário mudou, onde antes estávamos  no mar, agora estávamos em pé no chão, em um lugar vazio de paisagem, vazio de tudo, tudo era preto, inclusive o chão onde estávamos pisando, e por mais estranho que pareça: não estava escuro, eu conseguia ver Enrico claramente.

"Isso vai doer um pouco, mas ações valem mais que palavras."

Sem entender, continuei olhando para ele. 

Enrico permaneceu parado, mas de repente um rabo de escorpião de tamanho proporcional ao seu corpo surgiu de suas costas se mechendo. Eu queria correr para longe, mas naquele momento eu estava paralisado, não podia fazer nada, então o rabo se aproximou de mim rapidamente e picou minha testa.

"Aaaai!" gritei levantando rapidamente, mas eu não estava mais no lugar preto, nem com Enrico.

"Você tá atrasado, Leo." disse Beto, meu colega de quarto, da porta do banheiro. "O que é isso na sua testa?" Pus a mão na minha testa e encarei minha mão incrédulo. Minha mão estava suja de sangue.



NOTA DO AUTOR:  
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Augusto Olintos

INCUBO - O Mundo Violeta (REESCRITA)Where stories live. Discover now