Capítulo X - Criaturas Noturnas

1.4K 94 7
                                    

A cidade dormia sob um luar congelado no tempo

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

A cidade dormia sob um luar congelado no tempo.

O Rio East se assemelhava a uma superfície cristalina, marcado por pinceladas suaves e um borrão de luzes e movimento no horizonte que tomava a forma da ponte do Brooklyn. Também havia outros borrões em prédios e na própria rua, mas estes não eram elementos da cidade, e sim do vidro mofado da minha janela. A camada de sujeira tornava a visão turva, desfocada e distante.

Ela não abria há anos. A madeira estava tão podre que eu tinha medo de quebrá-la ao meio ao tentar forçar. Não tínhamos dinheiro para trocar, e também não tínhamos dinheiro para consertar a porta quebrada do armário da cozinha, o problema no ventilador e a mesa do computador. Essa era uma das desvantagens de ser sustentado por uma mãe solteira e ainda por cima professora, enquanto o máximo que você podia fazer era garantir notas boas. Eu queria ajudar Trisha, mas ela fazia parte de seu próprio mundo, passando o dia inteiro no quarto corrigindo provas e preparando planos de aulas sobre genética e bioquímica para alunos que não poderiam se importar menos com aquilo. Desde que podia me lembrar, essa era a imagem que sempre tive dela: uma mulher ocupada demais para se dar conta de que o mundo girava.

Enquanto minha mãe tinha seus problemas, eu tentava resolver os meus. Katherine e Tine não atendiam o telefone de forma alguma, e depois de tentar ligar para cada uma delas ao menos dez vezes em sequência sem obter nenhuma resposta, eu acabei por desisitr, jogando meu celular sobre minha escrivaninha velha e atolada de cadernos e anotações desconexas. Como as duas não atendiam, talvez significasse que estivessem juntas agora, em algum lugar ou em alguma situação onde a comunicação fosse restrita. De qualquer forma, se isso fosse verdade, seria um bom sinal. Desde que estivessem de fato juntas, as coisas ficariam bem. Não existia nada nesse mundo que pudesse parar aquelas duas.

Apesar de meu apartamento não ser lá essas coisas, um dos pontos positivos era a vista. A localização privilegiada possibilitava que um fragmento da Roosevelt Island pudesse ser visto da janela de meu quarto, em meio a águas calmas que me faziam lembrar das vezes em que os pais de Clementine levavam a filha, eu e Katherine para passar um domingo no Brooklyn. Como Trisha dirigia exclusivamente para ir para escola e me buscar, isso foi o mais perto que eu cheguei de participar de viagens em família. Nós dois nunca saíamos da cidade, e sendo sincero, creio que nunca tive vontade. Não tem como sentir falta de uma coisa que você nunca fez. O espírito aventureiro da família Matthews possuiu a minha mãe em sua juventude e morreu antes mesmo de eu nascer, quando a vida adulta e novas responsabilidades a forçaram a plantar os pés nesse bairro, torcendo para que suas raízes pudessem penetrar em estradas de concreto que nunca descansavam. 

Era inevitável. Eu pensava na minha mãe. Em Clementine, e em Katherine. Eu só queria dizer que tudo ficaria bem; talvez para elas, talvez para mim mesmo. Era o que restava quando eu não era capaz de encontrar amparo em fontes convencionais. Contudo, na quietude da noite, meus dedos trêmulos eram a prova de que eu não podia me enganar desse jeito. Eu já vinha fazendo isso há algum tempo, e os efeitos eram cada vez menos potentes. 

Luas de Diamante (Volume 1) [EM REVISÃO]On viuen les histories. Descobreix ara