- Capítulo 1 -

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                                Procure me amar quando menos mereço,

                                                           pois é quando mais preciso.

                                                                                     Provérbio sueco

                  Seria minha última interpretação da noite. Depois de Mozart e Beethoven, os aplausos me fizeram arrepiar. O jantar anual da multinacional Chosen sempre foi repleto de luxuosos pratos e Champagne Krug Clos d'Ambonnay.

                   Este era o meu terceiro ano consecutivo neste evento. Os mais importantes executivos de toda Paris estavam presentes. Usavam Smoking Giorgio Armani, Dolce & Gabbana e Tom Browne. Não era difícil de distingui-los, pois o meu Smoking veio direto de um alfaiate na "rue de Rivoli", entre as ruas "du Renard e du louvre".

                   O piano sem dúvida era a majestade da noite. As marcas de cigarro deixado por seu antigo dono, o completava. Steinway Model Z, reinou toda a noite produzindo o melhor som que um piano poderia produzir. Os olhos atentos nos últimos esforços do som, reverberando a clássica extração do bom gosto.

                  O tilintar do talher e a taça, fizeram com que o silêncio fosse abrupto. Todos pararam suas conversas e risos para observar quem chamava a atenção. Um senhor grisalho de estatura mediana estava na parte mais elevada da mansão. Ao seu lado, a figura que me fez esquecer todas as partituras de Chopin.

                  - Boa noite. Quero agradecer a presença de todos vocês, e é com imensa satisfação que os acolho nesta noite.

                  De forma uníssona os aplausos foram elegantes. Todos estavam felizes por compartilhar da mesma gratidão.

                  - Como sabem, Eloise está de volta de New York. – disse o anfitrião.

                  As conversas voltaram pouco tempo depois de cumprimentarem a recém-chegada. Os risos continuavam como um rito alegre e sem pesares. Diferente do meu mundo, onde sorrir é sinal de desespero.

                 Peguei a bolsa que estava encostada no piano. Coloquei a pasta de partituras desajeitadamente. Talvez com o dinheiro que ganharei esta noite eu possa comprar uma mochila descente. Meus murmúrios poderiam ser ouvidos se não fosse a imponente festa. O zíper a mochila travou, derrubando as pastas e folhas soltas aos pés do piano "imagine".

                 - Olá, vejo que não sou a única perdida neste jantar. – disse a filha do anfitrião que me fez esquecer Chopin.

                 - Desculpe, já irei recolher...

                 - Tudo bem. Sou Eloise, muito prazer. – ela estendia suas mãos para me ajudar com as partituras espalhadas.

                 - Muito prazer, sou Nicollas. – respondo ainda me recompondo.

                 - Nocturnes, Frédéric Chopin. – é uma das minhas prediletas. Eloise segurava a folha já amarelada pelo tempo.

                 - Sem dúvida...

                 - Tenha uma ótima noite sr. Nicollas. – disse Eloise ao se retirar e desaparecer entre as pessoas que circulavam o grande salão.

                 Um dos empregados do anfitrião me entregou o envelope. Não era volumoso, mas já conseguiria pagar dois meses de aluguel. Quem sabe aproveitar um whisky barato até me embriagar e dormir ao luar de Paris. Voltei-me para casa e me embriaguei com o gosto fraco do álcool, whisky de pouco mais de cinco euros.

Ao Som de ParisWhere stories live. Discover now