Confinamento

1.2K 157 145
                                    

Toda semana um novo comboio chegava à zona de contenção. Carroças vigiadas por guardas chegavam e despejavam mais e mais prisioneiros. Os homens eram direcionados para o trabalho forçado, já as mulheres e as crianças ficavam na área de confinamento e, mais adiante, ficavam os doentes.

Todos tinham água, comida e abrigo, ainda que de forma precária. Viver nessas condições piorava conforme as semanas passavam, com mais pessoas chegando para repartir aquele estado de miséria.

Ninguém entendia ao certo o que acontecia, apenas que todo cidadão do Oeste era caçado e aprisionado. Contenção Vinte e Nove era o nome do local em questão, um entre tantos outros. Pequenas vilas transformadas às pressas em prisão para o seu próprio povo.

Nesse ambiente a tensão era constante e os dias se arrastavam. Não havia muita esperança para os adultos. As crianças, alheias às complexidades da guerra, brincavam como podiam durante o dia nos horários e locais permitidos.

E foi numa tarde como outra qualquer que chegou mais um comboio. Contudo, diferente das outras vezes, havia uma escolta fortificada na última carroça de prisioneiros.

As crianças que brincavam na terra perceberam a movimentação e cochichavam de trás das longas cercas de madeira.

— Veja, tem mais gente chegando! — disse uma menina que observava por uma fresta.

— Olha quantos guardas! — disse um garoto.

— Por que será que tem tantos assim? — questionou mais um ao lado.

— Só pode ser um homem perigoso que foi pego! — especulou o primeiro.

Assim o pequeno grupinho, através das grades que delimitavam o confinamento, assistia de longe ao desembarque dos prisioneiros. Um a um iam descendo e sendo escoltados para seus alojamentos. Ficaram observando até o último. Era uma garota, com as pernas e os punhos acorrentados.

Ao descer, ela fez uma pausa, olhou em volta e baixou a cabeça.

Correntes, prisão, soldados. Tudo irrelevante. Sua mente ainda trabalhava nas últimas recordações de sua falecida mãe. Talvez ainda não tivesse aceito os fatos recentes e somente agora digerisse o ocorrido. Seja como for, em estado apático, Lana não oferecia resistência alguma, mas as ordens do capitão eram claras: "Escoltem a garota para uma cela isolada".

Os homens que participaram do episódio de sua captura sabiam bem o quão perigosa ela poderia ser, embora os demais soldados encarassem aquilo tudo como um grande exagero. De toda forma, a ordem foi cumprida e Lana, confinada. Destino: solitária.

As crianças, impressionadas, olhavam a movimentação. Um soldado passou e bateu com o cabo do sabre na cerca, elas se assustaram e saíram correndo em direção ao alojamento. O homem riu satisfeito.

*** ** * ** ***

Quando chegaram à varanda do abrigo, avistaram uma menina por volta de 13 anos sentada próximo da porta. Ela contava e separava algumas sementes e frutas secas que estavam sobre um pano estendido no chão. De grandes olhos e expressão séria, mais parecia um banqueiro contando moedas do que uma jovem adolescente. Depois de "contabilizar", guardava sua riqueza em dois pequenos sacos presos à cintura.

— Ei, Aline! Por que não vem brincar com a gente? — questionou a pequena Maria, uma das crianças que foram expulsas da cerca momentos antes.

— Daqui a pouco. Pode ser? Vocês estão apostando alguma coisa? — disse sem desviar o olhar do que fazia.

— Eu disse brincar! Você não sabe brincar sem apostar? — insistiu a garota, agachando-se ao lado de Aline.

— Quem sabe outra hora.

— Puxa, Aline, como você consegue guardar tudo isso? — perguntou com os olhos desejosos para as frutas secas.

A jovem levantou o rosto levemente e sob uma pequena franja seus grandes olhos verdes, que se assemelhavam a lindas gemas, fitaram a amiga ao responder:

— Eu não somente guardo, como consigo mais fazendo favores para todos aqui, no campo. Limpar, esfregar, cuidar de alguma criança ou doente.

— Isso tudo é chato.

— É sim. — Aline esticou a mão, oferecendo uma fruta seca. — Mas no fim vale a pena. E depois você se acostuma.

Aline terminara de separar as frutas. As duas sentaram na varanda, balançavam as pernas, comiam e conversavam.

— Sabe, hoje chegou mais gente! — disse Maria de boca cheia, saboreando a fruta oferecida.

— Toda semana chega mais gente.

— Eu sei, mas hoje foi diferente. Tinha uma moça acorrentada. Acho que devia ser perigosa.

— Sei.

— Ela foi levada para a solitária. — Maria arregalou os olhos, tentando impressionar a amiga.

— O que ela deve ter feito?

— Não sabemos, mas bem que você poderia descobrir! Você conversa com todo mundo, até com os guardas. Não sei como você consegue falar a língua deles direitinho.

— Isso é fácil para uma nobre como eu — disse, virando o rosto e balançando seus curtos cabelos loiros que chegavam à altura do pescoço.

— Você com esse papo de novo!

— Mas é verdade! Minha mãe é uma rainha! Não era para eu estar aqui.

— Vocês tinham um castelo?

— Claro, era enorme! — gesticulava Aline, tentando impressionar a amiga.

— E cavalos?

— Muitos, muitos, muitos!

— E soldados?

— Um montão!

— Onde eles estão agora?

Aline baixou o olhar, perdeu o ímpeto e disse baixinho:

— Não sei.

E assim as duas contemplaram o entardecer em silêncio.

***

Estão gostando da história? Não se esqueçam de Votar e de Seguir o meu Perfil! ✌

***

***

Ops! Esta imagem não segue as nossas directrizes de conteúdo. Para continuares a publicar, por favor, remova-a ou carrega uma imagem diferente.
Lana - Uma Aventura de Fantasia MedievalOnde as histórias ganham vida. Descobre agora