Mariana o reconheceu imediatamente, embora a mente sonolenta demorasse a lhe fornecer um nome. Pedro. Ele estava deitado no chão, a cabeça apoiada no que parecia ser um montinho de roupas, adormecido. Sem bem saber por que, observou-o por um instante. Mariana pensava que muitas pessoas pareciam diferentes ao dormir, permitindo-se um momento de vulnerabilidade e exposição, mas Pedro era diferente. Estava sempre exposto, sempre aberto, mesmo como acordado. Conheciam-se a poucos dias, mas Mariana sentia que podia ler todos os sentimentos do rapaz sem que ele precisasse abrir a boca. E agora, ao dormir, ele não parecia uma pessoa diferente. Se prestasse atenção, ela quase podia dizer se o sonho dele era bom ou ruim. Pedro sorria enquanto dormia, um sorriso fácil, leve. Olhá-lo trouxe certo conforto ao seu coração.

Então lembrou-se da noite anterior, e das coisas horríveis que dissera a ele. Culpara-o por tudo de ruim que havia acontecido nos últimos dias, por todas as loucuras inexplicáveis que haviam tomado conta de sua vida. Fora injusta, sabia, mas na hora, quando cada um de seus medos mais profundos tomara forma, fizera sentido. Não pudera se controlar. Gritar era tudo que conseguira fazer para não sufocar com os próprios sentimentos.

E agora... agora as mesmas emoções a estavam sufocando novamente. Bastara lembrar-se para que a dor da perda e o medo por Milena voltassem. Seu coração parecia pequeno e grande demais ao mesmo tempo, como se uma mão invisível o apertasse, ao mesmo tempo em que tentava se expandir para dar vazão a todos os sentimentos. E, de repente, ficar deitada era impossível. Precisava sair dali. Precisava se mexer, ou então, enlouqueceria.

Muito devagar, levantou-se, saindo pela beirada da cama, em vez de pela lateral, para não assusta-lo. Vê-lo deitado no chão a fez pensar em Milena, e nas várias vezes em que, silenciosa e calmamente, tivera que transportá-la da sala para o quarto, quando a menina adormecia assistindo televisão. Sentiu uma súbita vontade de fazer o mesmo com Pedro, de pegá-lo no colo e coloca-lo na cama. Por fim, descartou a ideia. Com um último olhar, fechou a porta atrás de si depois de sair.

~*~

Miguel levantou pontualmente às seis horas para começar seu treinamento, como todas as manhãs. Ninguém o dizia para fazê-lo; era simplesmente uma coisa à qual havia se condicionado nos últimos anos, e da qual não conseguiria abrir mão, mesmo se quisesse.

Vestiu-se e alongou-se enquanto selecionava uma playlist no celular. Começava o dia com uma corrida — se é que podia chamar assim sua longa sequência de subidas e descidas pelas escadas — para só então se dedicar às armas por algumas horas antes que Eveline o chamasse para alguma aula inútil como história da Clave ou línguas demoníacas. Qual era, afinal, o propósito de se ter aulas teóricas se o trabalho de um Caçador de Sombras era inteiramente prático? Se ocupasse todo o tempo que gastava tentando aprender Tartarian treinando, talvez estivesse mais forte, mais apto. Menos desengonçado.

Mas como ele ainda devia certa obediência a Eveline, adiantava-se, e empenhava-se mais do que qualquer um, até mesmo Pedro. Talvez nunca viesse a ser o próximo Jace Herondale, mas ousava dizer que um dia faria do seu sobrenome um de respeito. Mas, para isso, precisava treinar.

Correu por cinco músicas antes de parar, ofegante, no topo das escadas. Respirou fundo algumas vezes, e então se precipitou para a escadinha no fim do corredor que levava à sala de treinamento. Estava prestes a subir quando o som de uma porta se abrindo o fez virar.

A mundana, Mariana, estava saindo do quarto de Pedro. No instante que levara para processar a informação, Miguel perguntou-se por que ela estaria no quarto dele àquela hora. Tinha dormido ali, certamente. Teriam... Não, não. Ele se lembrava de tê-la visto adormecida nos braços dele ao chegar, sono enfeitiçado. Ele talvez nem estivesse ali.

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