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As últimas vinte e quatro horas haviam sido as piores da vida de Mariana. Ela não se lembrava de alguma vez na vida ter se sentido tão impotente — talvez quando a mãe falecera. Mas era diferente agora. Naquela época, ela sentia que poderia se apoiar no pai. Ela estava perdida, mas não sozinha. Devastada, mas não desesperada. Ela havia se convencido de que tudo ficaria bem.

Não desta vez.

Quase como se estivessem esperando uma deixa, os policiais adentraram a creche no instante em que Mariana percebeu que os dois estranhos tatuados haviam desaparecido. Ela tinha apenas uma vaga lembrança de alguém lhe dizendo que não podia estar ali, e que graças a ela, o trabalho da perícia seria muito mais difícil. Fora escoltada para fora, onde o mesmo policial que ela chutara mais cedo dissera a ela que sumisse dali antes que fosse presa por agressão.

Então ela foi, e andou o mais rápido que pôde até a delegacia mais próxima, há três quarteirões de casa. No caminho, tentara ligar dezenas de vezes para o pai, sem sucesso. Chegou lá ofegante, sem saber ao certo se o que tirava seu ar era a ansiedade ou a corrida para chegar até ali. Fora então recebida por uma escrivã com cara de poucos amigos, que mal lhe lançara um segundo olhar enquanto explicava sua situação.

— Minha irmã desapareceu. — falara, as palavras saindo tão rápido que as sílabas se misturavam umas às outras — Ela estava naquela creche que foi atacada, mas eu já entrei lá e ela não estava e...

— Já procurou em casa? — a escrivã desinteressada perguntara, enquanto folheava uma revista — Ela pode ter voltado sozinha ou...

— Ela tem quatro anos! — Mariana exclamara, irritação misturando-se aos outros sentimentos — Eu mesma a deixei na escola hoje cedo, e sempre sou eu quem busco. Meu pai...

— Sinto muito. — a mulher a interrompera, então — Só podemos reportar desaparecimento após vinte e quatro horas, e a queixa deve ser apresentada por alguém maior de idade.

Mariana abrira a boca para responder, mas desistira. Deu as costas à escrivã e voltou para casa, adicionando mais aquele peso à sua lista de preocupações.

Vinte e quatro horas. Não queria ter que esperar nem mais um minuto para descobrir o paradeiro da irmã, quanto mais um dia todo. Muito poderia acontecer em vinte e quatro horas. Nesse meio tempo, ela poderia estar morta.

A casa estava escura quando Mariana chegou, sinal de que seu pai, mais uma vez, havia emendado o trabalho com algumas horas no bar — se é que havia ido trabalhar, para começo de conversa. Ela sabia onde era, mas não conseguia juntar a força necessária para ir até lá. De nada adiantaria, de qualquer forma. Ele provavelmente já estava bêbado, e daria tanta atenção ao sumiço de Milena quanto dava a Mariana de forma geral: nenhuma.

Vinha sendo assim desde a morte da esposa, quatro anos antes. Irena percebera que havia algo errado tão logo ficara grávida de Milena e passara a sofrer de fortes dores, mal-estares e desnutrição. Estava tão fraca durante o parto que não sobrevivera. Mauro nunca se conformara com a morte da esposa. Tentara, por um tempo, fazer o que era melhor para as filhas, mas as bebidas aos fins de semana haviam se tornado bebidas antes de dormir, que se transformaram em bebidas todos os dias, até eventualmente o tirarem completamente da realidade. A terapia de Mariana foi cortada, bem como o colégio particular e toda e qualquer regalia conforme todo o dinheiro era usado para sustentar o vício. Pai e filhas se afastaram. Na maior parte do tempo, Mariana sequer contava com ele.

Mas agora, ela precisava dele. Precisava dele para ser um adulto responsável, para estar sóbrio e prestar atenção à sua volta. Precisava que ele fosse com ela até a delegacia e prestasse queixa pelo sumiço de Milena. Precisava de ajuda.

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