— É o paraíso - suspiro ao ver o lanche na minha frente - sente esse cheiro...
— Nossa, vou querer a receita - Júlia já dá uma mordida grande.
— Onde a Ava vai nos levar mesmo?
— No centro, para conhecer algumas lojas.
— Acho que vou no museu hoje.
— Aí, Theresa, você só vive no passado.
— Você pode ficar com as lojas, não vou demorar.
— Se você insiste. Não esquece que amanhã vamos conhecer o palácio!
— Estou ansiosa para isso, tem exposição com quadros, trajes, coroas, fotos - suspiro de felicidade - além de que a arquitetura do palácio é magnífica, sabia que foi construído por camponeses? Os detalhes feitos à mão!
— Já não ouvi esse discurso?
Reviro os olhos.
— Não, daquela vez eu estava falando do Templo mórmon de Salt Lake, que também foi feito pelo povo da cidade.
— Contanto que quando você fizer a minha casa, ela não caia e tenha desconto, fico feliz.
— Bom saber que me acha uma ótima arquiteta - ironizo.
— Ah, acabei de lembrar, meu pai quer fotos desses museus aí.
— Eu tiro.
— Obrigada.

Antes de ir para lojas pego minha câmera no hotel, Ava dispensa o carro e nos guia pelas ruas, em Aurora os ônibus são como os da Inglaterra, só que pretos com dourado e vários são abastecidos com energia em vez de gasolina! O projeto de todos os ônibus serem assim está previsto para 2025, penso quando o Brasil vai chegar a isso.
— Vou levá-las para minhas lojas favoritas, já fiz muitas críticas e resenhas dos produtos para a revista aqui em Aurora.
Ava tem pele pálida e o cabelo quase da mesma cor, os olhos azuis se destacam como duas lâmpadas azuis, ela não deve passar dos trinta anos, e é muito simpática.
— Meu pai é brasileiro, depois de se casar com a minha mãe moramos cinco anos no Brasil e depois viemos para Aurora, aqui tudo é melhor, sem querer ofender.
— Sem problemas - falo segurando um dos ferros do ônibus para ficar de pé.
— Moraria aqui sem pensar duas vezes - Júlia da de ombros.
— Claro, o Cory Simpson mora no país - brinco.
Cory Simpson é o ator que a Júlia ama de paixão, ele mora em Corvia, uma cidade que fica aqui perto.
— Eu gosto do Brasil, claro que aqui as condições são melhores, mas o povo brasileiro, a cultura...
— Você tem a alma de uma velha - Júlia comenta.
— Não, só sou patriota. Mas vou aproveitar essa viagem e conhecer o máximo de Aurora, esse país é...encantador. Acho que conseguiria passar umas férias aqui, viajar pelos estados, conhecer a cultura.
— Você vai amar as ruínas do sul, diz a lenda - Ava se inclina como se fosse falar um segredo - que o rei foi amaldiçoado por um mago e na noite em que seu primogênito nasceu uma tempestade pairou sobre o castelo e os raios, trovões e ventos fortes vindos do mar destruíram o castelo...deixando apenas ruínas.
— Que bizarro - Ju estremece.
— Dizem que o fantasma do rei vaga pelo lugar - Ava diz tida misteriosa.
— E porque eu gostaria de ver fantasma? - dou risada.
— Não. Estava falando das ruínas. Percebi que gosta de lugares históricos.
— Sim, eles têm um charme. Mas, - ressalto - antes disso tenho uma lista de compras para riscar.

Compro um ingresso para o museu e passo pela catraca, depois disso sou levada para os séculos passados, é como se estivesse em um filme de época, o mármore, as estátuas, quadros, nem consigo parar de sorrir, parece que pela primeira vez na vida tive sorte em algo, quem diria que estaria aqui no museu de arte de Aurora, do outro lado do mundo.
Marco na agenda que preciso comprar camisetas com imagens dos pontos turísticos, e um perfume novo, e também um vestido que vi em uma loja enquanto vinha.
Sento em um banco que fica de frente a uma pintura, é um campo florido perto de um penhasco com pedras pontudas e ondas fortes, é um contraste interessante, ambos bonitos mas diferentes.
Sou tirada da minha concentração quando alguém senta do nada e com tudo do meu lado, olho e vejo um cara de boné preto e moletom verde.
Aí minha nossa, só falta ser um terrorista, Júlia me jurou que tinha verificado o nível de terrorismo desse país, ela sabe como sou cagona com essas coisas.
O homem parece cansado, está meio ofegante e eu engulo seco e vou um pouco para o lado. Ficamos em silêncio, nem me movo.
— Agenda bonita - aponta para minha agenda com capa de uma catedral que eu mesma desenhei.
— Pode ficar, só não me mata - falo já emburrando a agenda.
Moço, não estou afim de explodir com você.
O homem que nem consigo ver o rosto de baixo do boné ergue a cabeça, posso ver seu rosto agora, ele me olha confusa.
— Eu não vou te matar. Por que faria isso?
Sinto minhas bochechas esquentarem, posso até ouvir a voz da Júlia dizendo que sou impulsiva e só pago mico.
— Ahm... não sei, me desculpe.
Trago minha agenda para perto e foco meus olhos no quadro.
— Também não vou te roubar - o homem diz.
Amém.
O ouço soltar uma risada nasal e começo achar uma boa ideia voltar às compras com a Ava e a Júlia.
— Visitando o país?
Tenho mesmo que responder?
— Sim.
— O nível de criminalidade é baixo, pode ficar tranquila.
— Só porque é baixo não significa que não tem.
— Bem observado.
Ficamos em silêncio.
Tem uma culpa me incomodando como uma pedra no sapato.
— Me desculpa por achar que era um ladrão.
Terrorista, na verdade, mas vou deixar de lado.
— Tudo bem...
— Theresa - completo.
— Tudo bem, Theresa- ele diz meu nome com sotaque.
— E você seria?
Ele olha para mim como se estivesse confuso, tenho certeza que falei da maneira certa, não errei nenhuma palavra.
— Ben.
— Prazer em conhecê-lo.
— Igualmente. Visitando o museu?
— Sim. É a minha primeira vez.
— Gosto de vir aqui para relaxar, ficar sentado olhando os quadros.
— Pensar no que os pintores pensavam ao pintar - dou risada.
— Isso.
   Olho para o horário no meu celular.
— Caramba! Preciso ir - levanto - tchau.
   Ele sorri.
— Adeus.
   É meio que uma desculpa para sair dali e um pouco de verdade, não é pecado.
   Saio com pressa do museu e volto para o centro, encontro Ju e Ava me esperando na frente de um antiquário.
— Aleluia! - Júlia reclama.
— Desculpa, perdi a hora.
— Vamos, ainda quero ir nos brechós.
   Enquanto andamos até os brechós Ava me pergunta se ainda tenho os endereços que ela me deu das lojas que podemos ir só eu e a Ju.
— Tenho sim, estão na minha agenda - abro a bolsa para pegar a agenda e noto que ela sumiu - ou pelo menos, estavam.
   Ótimo, perdi o que quase foi roubado.

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