Aquilo que nos une : Sentimentos

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Ele acariciou a mão que pousei no seu rosto e beijou-a suavemente.

- Tens a certeza de que queres voltar? Este seria um bom lugar para criarmos o nosso filho.

- A nossa casa também o é. Vai correr tudo bem. Tu estás ao meu lado.

Cerca de dois dias foram suficientes para organizar o nosso regresso. Ele tratou de tudo, ainda que pudesse testemunhar as suas reservas relativamente ao facto de voltarmos a casa. Entendia perfeitamente os seus receios mas fugir nunca poderia ser a forma para lidar com os nossos problemas. Além disso, sentia falta das pessoas que tive a oportunidade de conhecer e com as quais partilhei laços. Acrescentava-se um outro motivo que revelei quando saímos do aeroporto.

- Antes de nos dirigirmos a casa, há um lugar onde queria passar. – Disse, tocando no seu braço e ele ouviu-me atentamente, mudando as indicações que inicialmente dera ao taxista. Este anuiu, levando-nos primeiramente a uma florista e em seguida até ao cemitério. Enquanto, ele trocava mais algumas palavras com o senhor que nos guiara até ali, entrei com um ramo de flores brancas indo numa direção já minha conhecida.

Todos os anos. Na mesma data, pousava flores sobre a campa da mulher a quem chamava de mãe mas cujo rosto só conhecia através de fotografias. Também toda a sua personalidade e alma conhecia através da pessoa que esteve ao seu lado até ao fim.

- Mãe… - Murmurei, após pousar as flores sobre a sua campa.

Ao ver que não se encontravam outras flores no local, deduzi que o meu pai ou mesmo as minhas irmãs ainda não tivessem passado ali. Sorri tristemente.

- Flora?

Não era a voz do Dinis. Era o meu pai com um ramo de orquídeas.

- Não se preocupe, já vou sair. – Disse, afastando-me da campa. – Assim poderá ficar na companhia da mãe sem que eu incomode.

Preparava-me para tomar a direção que me levaria para o exterior do cemitério quando inesperadamente, fui abraçada pelo meu pai. Sem que conseguisse articular qualquer palavra, imóvel, senti os seus braços trémulos à volta do meu corpo. A esse gesto repentino, seguiram-se lágrimas numerosas e grossas. Vieram as palavras de medo de que nunca mais me fosse ver tal como o Dinis lhe prometera e que esperava que algum dia, o conseguisse perdoar.

Nesse mesmo instante, retribuí o abraço, deixando também cair algumas lágrimas.

O regresso tinha sido a melhor decisão. Começando pela reconciliação com o meu pai até ao encontro com a Isabel e o Márcio no dia seguinte, às portas do Conservatório. Eles estavam juntos no mais bonito significado dessas palavras, o que me deixou realmente muito feliz por ambos. Depois do que tinham passado era bom ver que as voltas que a vida tinha dado, os tinha juntado, usando para tal, sentimentos em comum.

Por outro lado, outro tipo de sentimentos confirmaram o afastamento definitivo do Nuno e da Diana das nossas vidas. Ambos abandonaram o Conservatório sem qualquer justificação e estariam em parte incerta. Apenas tive a oportunidade de ouvir o que pensavam os pais do Nuno sobre o assunto visto que nunca conheci os pais da Diana. Eles acreditavam que os dois tinham fugido para ir viver, o que chamavam de amor. Os pais do Nuno acreditavam que tal não duraria tanto como eles pensavam e que um dia regressariam magoados e conscientes das coisas que tinham perdido.

Não posso afirmar que não me entristecia um pouco saber que a amizade que nos uniu um dia, agora parecia nada significar para eles. Mas também tive outro desapontamento, relativamente ao professor Gallardo que pelo que fiquei a saber, tinha mesmo um lado mais obscuro que o fazia tentar enganar ou forçar mulheres a ceder perante os seus desejos. Mais uma vez, tivera a prova de que as pessoas podiam ter duas caras e que eu confiara em apenas uma delas.

Quanto ao Carlos, ele tinha conseguido sair sem qualquer pena do julgamento que condenou os restantes participantes do meu rapto. E, ao mesmo tempo que concluía os seus estudos, começou a trabalhar numa oficina. Ao que parece, interessava-se pela mecânica e nós incentivamo-lo a enveredar por esse caminho. A relação dele com o Sr. Moreira, o advogado que tinha contratado, depressa se demonstrou ser mais do que uma simples cumplicidade entre o cliente e alguém que oferecia serviços. Fundaram-se fortes alicerces de amizade que continuam a ser razão pela qual, quando os vejo, faz-me lembrar a relação que há entre pais e filhos.

Por fala em filhos, o Miguel já nasceu. O meu filho, melhor dizendo, o nosso filho que não nos dá mais do que alegrias e algumas noites mal dormidas e que faz com que tenha que lembrar-me de acordar, o Dinis para que não falte ao trabalho. Mas mais do que isso, tornou-se o elo que liga os nossos sentimentos de uma forma permanente e irrefutável uma vez que ele é fruto do sentimento mais bonito que pode existir entre duas pessoas.

E assim são os sentimentos, criando laços invisíveis com as pessoas à nossa volta. Esses laços existem embora não os possas ver. Eles ligam-nos às pessoas que conhecemos e que ainda vamos conhecer. A forma como se ligam, pode variar, assim como as cores variam. Diferentes pessoas despertam sentimentos diferentes. Mas acreditem, esses laços existem quer sejam bons ou maus sentimentos. Todos os que passam na nossa vida provocam-nos algum sentimento, seja bom ou mau. E esses laços permanecem ao longo das nossas vidas, lembrando-nos do que vivemos e do que ainda podemos viver.

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Agradeço a todos que acompanharam o enredo e que através de votos ou comentários deram as suas opiniões acerca destas páginas que são frutos da minha imaginação.

Estas páginas também representaram a primeira tentativa de escrever algo que se enquadrasse sobretudo na categoria do romance e não do fantástico ou paranormal (que normalmente é o que escrevo).   ;)

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