Capítulo 1

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♧Rachel Lanley♣

Me apressei pelas escadas, tropeçando nos meus próprios pés e tentando domar meu cabelo em um coque perfeito. Cena essa, que não era incomum nos meus dias. Não depois do acidente dos meus pais.

— Ryan!— Gritei meu irmão a plenos pulmões, enquanto fazia o café rapidamente— vamos nos atrasar e...

— pare de gritar. Eu já cheguei, tá bom!— ele adentrou na cozinha e jogou a mochila na banqueta de qualquer jeito— os vizinhos agradecem.

Soltei o ar e estendi uma caneca com café para ele.

— como está na faculdade?— me encostei na bancada e cruzei os braços sobre o peito, interessada em seu desempenho nas aulas, embora já tivesse o questionado ontem sobre o assunto.

Ele revirou os olhos e se jogou em uma cadeira da mesa bagunçada, tomando o líquido quente tranquilamente.

— pare de agir como se fosse a mamãe, tá.— ele me olhou, entediado— eu já tenho 19 anos, não preciso que ninguém cuide de mim.

Ergui as sobrancelhas para seu jeito marento e difícil. Eu poderia culpar nosso gênio explosivo de família, mas sabia que havia outros motivos. Além do mais, aquele era apenas o mau humor "pós-sono interrompido". Ryan, na verdade, era carinhoso e atencioso.

— você pode até não ser mais de menor, mas eu sou a irmã mais velha e mando aqui.

— autoritária. Gostei!

Lhe dei língua e terminei meu café com rapidez, passando meus olhos agitados pelo relógio de parede a cada minuto.

— temos tempo!— percebeu meu olhar— e até parece que precisa chegar no trabalho no horário. Victor nunca iria demiti-la.

— ele é um amigo!— afirmei.

— hum, sei bem...— tentei não ligar para como sua voz soou sarcástica— cuidado para ele não encontrar o seu clone por aí e ter idéias nada elevadas sobre um relacionamento a três.

O fuzilei com os olhos. Ele sabia que eu não gostava desse assunto e, ainda assim, o dizia para me provocar.

— de novo esse assunto?

— é sério, Rachel, parecia muito com você. Analisei o rosto dela pelos três segundos quando se virou para mim. Se não era um clone, era sua gêmea.

Massageei minha testa com os dedos, prevendo uma forte dor de cabeça.

— chega disso!— olhei para o relógio e joguei as alças da minha bolsa pelo ombro— vamos antes que você se atrase.

Entramos em meu carro em pouco tempo e dirigi em direção a faculdade local, tentando não pensar demais. Sentia que meus pensamentos podiam me matar.

Era uma cidade pequena, sem muito entretenimento, mas ainda assim, acolhedora. Meu sonho sempre foi sair daqui e conhecer grandes lugares, porém, de algum jeito, me via presa, enlaçada, amarrada por essa cidade. Onde nasci, onde cresci e onde perdi meus pais.

Eu não estava lá, mas podia imaginar claramente o carro capotando pela estrada molhada; os corpos dos dois presos dentro daquela pequena cabine retorcida; o barulho do metal, o silêncio que vinha depois, e as gotas de chuva que caiam pesadas como pedras, cobrindo tudo com sua tragédia. Não era uma história agradável e eu não gostava de lembrar, mas me assombrava todas as noites.

Como eu já era maior de idade quando eles nos deixaram, me tornei responsável rapidamente e guardiã legal de meu irmão. Me empenho, desde então, a cuidar dele da melhor forma que posso e ele tenta cooperar comigo. E assim levamos nossos dias. Um de cada vez.

— CUIDADO!— fui arrancada de meus pensamentos pelo grito de Ryan.

Em frente, um caminhão ziguezagueava pela estrada, totalmente fora de controle e  velozmente em nossa direção. Sua buzina ensurdecedora chegou aos meus ouvidos e eu mal pude escutar meu próprio grito de horror, enquanto agia mecanicamente. Girei o volante com tudo, jogando o carro pela calçada e vi o exato momento em que o caminhão passou por nós, pegando de raspão a lado direito da traseira e, consequentemente, balançando o carro; e acertou em cheio o automóvel que estava atrás.

Coloquei a mão no peito, respirando rápido e me virei para meu irmão.

— tudo bem?

Ele assentiu com os olhos ligeiramente arregalados, em choque. E eu agradeci por não ter lhe acontecido nada.

— fique aqui!— mandei e sabia que em qualquer outra situação, ele teria me desobedecido, mas não nessa.

Sai do carro, mal conseguindo me apoiar nas minhas pernas que tremiam muito e corri em direção ao acidente, onde uma multidão já começava a se formar.

O carro se encontrava em uma péssima condição, muito amassado e capotado. Alguns tentavam encontrar os passageiros e tira-los daquela caixa enlatada. E eu não conseguia imaginar em que situação meu irmão e eu estariamos caso não houvesse desviado a tempo.

Em pouco tempo, ambulâncias e viaturas já circundavam o local. Não me contive em tremer ao ver as pessoas sendo retiradas do automóvel e sendo levadas às pressas para serem socorridas pelo estado grave dos ferimentos.

Então, meu olhar se dirigiu a uma figura ao longe, como se involuntariamente, e eu vi. Eu me vi. De pé e parada, me encarando de volta.

O enigma dos Doppelgängers[CONCLUÍDO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora