Capítulo 8 - Relatório

515 87 620
                                    

  Graciosas e finas falanges percorriam o que, para a mente, equivalia a uma fornada de pães frescos, prontos para serem consumidos e satisfazerem a fome de saber. Por ora, a curiosidade era mais que um ligeiro incômodo ao estômago de Alice: o conhecido formigamento avisava-lhe que a ansiedade aflorava em seu interior, e só seria sanada por uma bela dose de conhecimento.

  Envolta e protegida do Sol sob o anel de falsa prata, a camada de pele tornara-se mais clara que a exposta, e seu adorno reluzia ao movimento do anelar sobre um dos exemplares que Savannah selecionara na Biblioteca, alegando comporem parte do novo material "escolar" de Saint-Marie.

  Dentre alguns volumes que pareciam tratar-se de defesa, ataque, levitação e poções mágicas, o olhar da garota foi atraído para o que parecia ser um livro didático de colegial com capa escrita à mão, nada mais, nada menos. As pequenas letras garrafais escritas em itálico pareciam-lhe obras de uma caneta-tinteiro falha, diziam: Animais Fantásticos, e apenas. Em um vislumbre pelo sumário, encontrou o primeiro capítulo, que parecia explicar como mascotes deveriam ser escolhidos, trazendo uma série de nomes científicos que terminavam na página quarenta e seis. Ponderou sobre o assunto, refletindo por que motivo ninguém informara que ela poderia ter um "bichinho de estimação".

  Sempre perturbara a mãe com intermináveis pedidos por um cão, chinchila ou até mesmo um peixe, mas sempre recebera negações. Chegou ao ponto de dormir embaixo da mesa da sala de estar e lavado as bolsas dos olhos e bochechas com água salgada para a mãe sensibilizar-se com a "tristeza" da filha, mas esquecera a vasilha com o conteúdo em seu quarto, fora descoberta e teve um belo castigo por isso. A lembrança fê-la rir, mas o riso logo foi substituído por um silêncio profundo sucedido de um suspiro exacerbado.

  Prestes a adentrar em devaneios, a atenção da garota foi atraída por gritos, e só então notou que estava sozinha no quarto. Guardou a dúvida acerca do material em sua mente, saltou da cama, cujas molas estalaram ao serem libertas do peso, e a moça espreguiçou-se assim que os pequenos pés calçaram-se em sapatilhas brancas como a lua, que não é realmente branca, mas seu esplendor naquela noite era digno de uma comparação.

  Tomou impulso para correr porta afora, e mãos seguraram-na quando estava prestes a sair, após trombar com uma confusão de macios anéis acobreados.

  — Se ela está aqui, quem diabos ele foi encontrar? — perguntou a americana.

  Alice espantou-se com o estado de Savannah. Sempre tranquila e quieta e de palavras baixas, encontrava-se agitada, e a voz elevava-se exageradamente alta.

  — Eu o vi com um papel na mão, perguntei onde ia e ele deu a entender que ia encontrar a Ally.

  Ambas encararam a novata, parecendo esperar uma resposta ao analisá-la da cabeça aos pés. Novamente sentia-se como uma intrusa, e temeu nunca passar disso, além de talvez não ser tão boa como todos esperavam que a filha da fundadora-mor fosse. Não que ela entendesse o que tudo aquilo significava.

  O peito da belorizontina foi atingido por uma avalanche. Congelando de dentro para fora, não sabia o que fazer. Um turbilhão de pensamentos sem nexo bailavam por sua mente enquanto seu exterior era analisado como se um animal de circo fosse, incapaz de fazer o que esperavam de si.

  Imaginava mil e uma situações acerca do que acontecia nos limites do terreno, mas, assim que a preocupação e adrenalina fundiram-se em uma crise de pânico e, nesse ínterim*, raios irromperam por sua mente jovial, a alma da mineira descongelou e sentiu o corpo mover-se com dificuldade.

  Os músculos, doloridos em virtude da fuga no colégio, latejavam suavemente, a cada passo largo e desajeitado. Não poderia ser considerado uma conjugação do verbo "correr", pois assemelhava-se mais a uma gazela gemendo de dor enquanto esbarrava em paredes, movimento que fazia as pequenas protuberâncias em sua caixa torácica saltarem pela regata compassadamente.

The Dark CrystalDove le storie prendono vita. Scoprilo ora