― Roslyn, eu sou a Dra. Santana. Você sofreu um acidente na estrada e se afogou. ― Ela fala.

Quase que no mesmo momento sou atingida pelas lembranças.

― Água. ― Digo.

― Está com sede?

Eu balanço a cabeça em negativa.

― Água. ― Repito. ― Os meus pais...?

A Dra. Santana engole em seco e sinto a sua hesitação. Algo estava errado, mas eu não conseguia me lembrar do que era.

― Eles não resistiram, Roslyn.

Deixei escapar um grito, que mais se parecia um gemido de dor. A parte da minha mente bloqueada se abriu e eu me lembrei de tudo. Do acidente. O meu pai estava dirigindo e nós estávamos cantando, só que o carro derrapou e caímos no lago.

As lágrimas quentes molham a minha bochecha e a Dra. Santana me entrega um lenço de papel, desvia estar com ela o tempo todo. Desvio os olhos por um segundo e reparo no quarto. Nas pequenas máscaras de papel presas na parede e no teto coberto com rabiolas.

― Quando? ― Indago. ― Quanto tempo?

― Você ficou em coma por três meses. ― Ela falou.

― Eu lembro. Era véspera de Ano Novo. ― Eu digo. ― A gente ia para a praia na Região dos Lagos.

A Dra. Santana assenti de leve e se remexe na cama, desconfortável.

― Roslyn, você tem algum parente? ― Ela pergunta. ― Durante todo esse tempo...

― Eu não tenho ninguém. ― Falo. ― Os meus pais são filhos únicos e os meus avós estão mortos.

A Dra. Santana assente mais uma vez. Ela olha o seu bipe e diz que precisa sair e fazer algumas ligações. Conselho Tutelar, com toda a certeza. Viro para o lado, quieta. A ideia de ir para um abrigo serpenteia na minha cabeça. Só durante alguns meses até completar dezoito anos e depois ver aonde a vida ia me levar. Não tinha nenhum plano ou objeção. Não tinha nem vontade de continuar vivendo.

Não era justo. Deveria ter sido eu a morrer afogada naquele lago. A ideia da viagem foi minha para começo de conversa e quando o Eric estava dirigindo, fui eu quem pediu para ele aumentar o rádio. Era a nossa música de viagem preferida. Os meus pais deveriam ter vivido e não eu.

A enfermeira aparece e sorri para mim, eu não consigo curvar os lábios e apenas a encaro.

― Você só vai dormir um pouquinho. ― Ela fala.

Não protesto e ela injeta o liquido nas minhas veias. A sonolência me preenche e eu mergulho para um sono sem sonhos.


A minha recuperação é rápida e no meu ultimo dia do hospital, a Dra. Santana entra no meu quarto com um sorriso de orelha a orelha. Os funcionários fizeram uma festa de despedida para mim e outros pacientes me deixaram flores e cartões. 

― Você não vai acreditar. ― Ela diz.

― O que? ― Pergunto mais por educação do que curiosidade.

― Ah, veja por você mesma.

Ela torna a abrir a porta do quarto e um sujeito de meia-idade vestindo um terno caro, entra. Não entendo porque a presença daquele homem poderia deixar a médica tão feliz. O sujeito de rosto enrugado e uma barba cuidadosamente aparada, sorri, de modo confiante e deixa uma maleta brilhante em cima do pequeno sofá para visitas.

A Corte de Sangue - EquinócioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora