7 - Sonho

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As vozes se misturavam em um sonho confuso. Havia o verde da floresta ao meu redor e sangue. Muito sangue. Em um momento era como se eu tivesse duas vidas. Uma garota de uma cidade qualquer no meio do nada, transitando entre aulas e encontros estudantis, mas então havia... isso. Morte e sangue ao meu redor. Aonde quer que eu fosse, a inevitabilidade da morte me acompanhava, me atraia. Primeiro com os meus pais, depois com Brayan e agora havia finalmente havia me alcançado.

Somente essa possibilidade poderia justificar a perplexidade que me envolvia neste momento. Eu deveria estar morta. O olhar frio de Marie e o pavor que tomou conta dela era a minha última lembrança, porque tudo o que me ocorreu depois disso era um borrão sem sentido.

A imagem refletida no antigo espelho dourado parecia surreal, quase inacreditável. O meu rosto era uma mistura de sujeira, suor e sangue. As minhas vestes reduzidas a farrapos, enquanto o meu cabelo pendia sobre o rosto, formando um emaranhado caótico. Se eu me tornasse um fantasma, a visão seria assustadora.

— O que temos aqui? — Ouvi uma voz sussurrar o fundo, embora não tivesse nenhum reflexo atrás de mim. —O seu estado é horrível, mas com sorte podemos fazer alguma coisa antes da apresentação.

A mulher com a pele negra e brilhante mexeu nos meus cabelos, enquanto me rodeava. Não deveria ter mais do que vinte anos, com os olhos escuros e o vestido dourado esvoaçando enquanto ela andava.

— Precisamos de muito mais para deixá-la apresentável, Adélia — A garota ruiva se aproximou e tomou a minha mão. O toque frio me despertou e eu reprimi o impulso de gritar. — Alguma reação, finalmente.

—Não assuste a menina, Maressa. Ah, consegue ouvir o coração?

Maressa, que usava um vestido com detalhes bordados em azul, me encarou com um sorriso malicioso. Ela sentiu a minha pulsação e, por um instante, apertou mais meu pulso ao ponto de quase quebrar. Segurei um grito de dor, enquanto observava o deleite em seu rosto.

—Solte-a. — Ouvi a voz grave vindo da outra parte do quarto.

Maressa e Adélia arregalaram os olhos e se afastaram de mim. O quarto era frio, mas a temperatura caiu à medida que o dono da voz se aproximou. Abaixei a cabeça e encarei os meus próprios pés descalços sujo de lama e terra em contraste com o piso de mármore branco. De relance vi um par de botas lustradas, nenhum sinal de calor emanava daquele corpo, tampouco senti alguma respiração. Mas, eu sabia que quem quer que estivesse ali, estava bem próximo a mim.

A suspeita se confirmou quando o par de mãos firme e geladas tocaram o meu queixo, me obrigando a encará-lo. Contra a minha vontade, tremi sob o seu toque determinado. Não queria olhar naqueles olhos ou ver quem quer que estivesse tão próximo a mim capaz de colocar medo naquelas que antes me amedrontavam.

—Olhe para mim. — Disse a voz grave, não era uma ordem, mas tampouco o pedido.

— Por caso eu tenho escolha? — Eu perguntei, a voz rouca de tanto gritar, mas ainda havia dentro de mim aquela parte que desafiava e questionava. Aquela parte que me colocava em problemas.

—Todos temos escolhas, passarinha. — Ouvi o que parecia ser uma risada. — Não foi por escolha que tocou na pedra? — O aperto dele aumentou. — Não foi por escolha que está aqui?

—Eu...

—Poupe-nos dos seus apelos. Já ouvimos o bastante de sua velha avó.

— O que você fez com a minha avó? — Só então eu o encarei.

O rosto que me encarava revelava a imagem de um jovem, aparentando não mais que vinte anos, embora a profundidade de seus olhos sugerisse o contrário. Seu olhar era gélido e sombrio, como duas pedras de obsidiana polidas. O cabelo negro formava ondas suaves nas pontas, meticulosamente arrumado, enquanto seus lábios exibiam um tom de vermelho intenso. Cor de sangue.

— Não precisa se assustar, passarinha. — Ele colocou a mão sobre o meu coração, que batia freneticamente. — Guarde as batidas do seu coração enquanto as tem.

Eu fechei os olhos e, tão silenciosamente enquanto havia surgido, ele se foi.

Maressa e Adélia se encararam por um instante antes de dirigirem suas atenções a mim. Sem trocar mais palavras, elas meticulosamente retiraram meu vestido sujo, dedicando-se a lavar meu rosto e cabelo com cuidado, removendo cada vestígio de sangue e terra com movimentos delicados.

"Não é real", repetia para mim mesma, enquanto elas me vestiam com um corpete e uma saia esvoaçante. "Isso não pode ser real", eu dizia, enquanto meu cabelo era habilmente preso com joias adornadas. "É apenas um sonho, um pesadelo", murmurava em um mantra, enquanto aquelas duas mulheres desconhecidas brincavam comigo como se eu fosse uma boneca de porcelana, quase dando a impressão de que eu mesma poderia ser uma.

Voltei a encarar meu reflexo, e ali não encontrava mais traços da minha antiga vida. Meu cabelo estava penteado em um estilo antigo, ornado por pequenas joias que lembravam gotas de chuva capturadas pelo orvalho e congeladas no tempo. O vestido, branco e rendado, eram simples, como o de uma debutante. Quando o relógio soou doze baladas, marcando meia-noite, eu soube.

Não era um sonho.

—Conde Niklaus a espera. — Adélia disse em um misto de pena e excitação.

Ao ouvir aquelas palavras foi como se o meu destino estivesse selado com temor e sangue.

Chegaste ao fim dos capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Aug 29, 2023 ⏰

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A Corte de Sangue - EquinócioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora