1 - Água

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A água perfurou o meu os meus pulmões e fez as minhas entranhas queimar ao tentar respirar. Ouvi o vidro da janela sendo batido e esmurrado até que se partiu. Só então percebi que era eu quem estava fazendo aquilo. Os meus braços sangravam. Chamei pelos pais. Queria que eles fizessem o mesmo, mas o meu pai estava com a cabeça em cima do volante e minha mãe deitada em uma posição estranha.

Eu puxei o seu corpo mesmo assim, queria poder consertá-la. Eu pisquei, ou pelo menos acho que pisquei, porque quando tornei a abrir os olhos estava fora do carro. Eu podia nadar até luz. Os meus pulmões imploravam para fazer isso. Mas o nosso carro estava afundando, quase não era mais possível ver a silhueta dele agora. Eu tinha que salvá-los. Os meus pais.

Penetrei fundo na escuridão, forçando ao máximo que conseguia. Os meus braços pararam de me obedecer e se tornaram letárgicos. A minha mente se perdia entre a escuridão e o esverdeado da água.

Então, eu parei. Não fazia sentido lutar. Se era o meu destino sucumbir, eu iria aceitá-lo. Pelo menos estaria com os meus pais, aonde quer que isso fosse terminar, no céu ou no inferno ou no completo vazio que existia do outro lado. Ainda seriamos uma família.

Se eu estivesse com a consciência plena teria achado estranho e engraçado os dois rubis que flutuavam em minha direção. Contudo, os meus pensamentos se embaralhavam na confusão do que morrer significava. Não havia nenhuma lembrança ou arrependimento que pudesse me assolar agora, nem mesmo uma voz etérea ou um anjo envolvido de luz me chamando.

Então, isso é morrer? Um grande e enorme nada. Patético.

Senti o meu corpo ser puxado por um corrente e me permiti ser levada, torcendo para que afundasse para aonde os meus pais estavam. Algo queimou os meus olhos e incendiou a minha garganta.

Só então eu me dei conta de que não se tratava de uma corrente, mas sim de braços. Um par de braços e uma voz urgente. Senti uma superfície dura atrás de mim e meu peito ser pressionado como uma velocidade de forma ritmada. Então, veio o refluxo e a queimação da água mais uma vez.

Era difícil respirar. Cada partícula de ar que enchia os meus pulmões eram como pequenos alfinetes. Antes que eu pudesse abrir os olhos, a minha consciência me traiu e eu me entreguei a escuridão, torcendo pela paz.

Bipe. Sinto o meu corpo ser limpo e vestido. Bipe. A enfermeira troca as agulhas que me perfuram. Bipe. A médica aparece para me dar uma olhada rápida. Bipe. O meu corpo é limpo mais uma vez. Bipe. Um grupo ora pela minha alma já perdida. Bipe. Ouço vozes jovens e conhecidas para mim, eu tento gritar, mas elas vão embora. Bipe. Não ouço ninguém por um bom tempo. Bipe.

Bipe.

Bipe.

Bipe.

Abro os olhos.

Levo as minhas mãos instintivamente para o meu peito e me obrigo a respirar. Olho para o quarto ao meu redor sem entender aonde estou. A porta do quarto se abre e uma senhora com expressão surpresa entrar.

― Roslyn. ― Ela chama o meu nome.

Eu abro a boca, mas não sai nenhum som. A enfermeira sorri e pressiona um botão que eu não vejo. Nem cinco minutos se passam e o meu quarto está cheio de pessoas. Médicos.

― Vamos dar um pouco de privacidade a ela, sim? ― Pediu a médica.

Os enfermeiros se retiram, contrariados. A médica senta na minha cama e me olha como se eu fosse um milagre da medicina. Gosto dos seus cabelos trançados e a sua pele negra, me lembram de uma professora da escola.

A Corte de Sangue - EquinócioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora