Prólogo

403 37 196
                                    

    

     UMA TEMPESTADE HAVIA acabado de se dissipar de Liverpool. Há dois dias chovia incessantemente sobre a pequena cidade do condado de Merseyside, alagando ruas e causando prejuízos nas redondezas. O estuário havia enchido até quase transbordar e se o Mersey tivesse ficado algumas horas mais abaixo da chuva forte, talvez algo pior do que bueiros transbordantes e ruas inundadas tivesse acontecido.

Os ventos de 8 quilômetros por hora levaram lentamente as nuvens em direção à Londres, soprando pelas planícies e baixas colinas ao longo das três horas de distância, ganhando força ao entrar pelas fronteiras do ponto turístico mais popular da Inglaterra.

Agora, o que caía sobre Liverpool naquele início de madrugada, era um tipo deprimente de chuvisco, melancolicamente umedecendo mais ainda as paredes de pedras cinzentas e cobertas por uma camada de musgo, descendo as escadas de uma das casas mais visitadas da rua Mathew. Não era, de fato, a casa que era visitada, mas o porão.

Uma espécie de quartinho apertado, iluminado apenas por uma luz avermelhada, que oscilava abaixo da fumaça que subia as escadas como a sombra de uma pessoa.

A luz prometia um ambiente quente e acolhedor, embora a realidade lá embaixo fosse completamente diferente.

Uma placa rabiscada à giz e pichada, mal informava o nome do lugar, presa à parede, ao lado da escada:

Cavern Club.

Luzes menores saíam de baixo dos degraus, iluminando os pés de quem chegava atrasado à multidão de jovens saltitantes, aglomerados ao redor do minúsculo palco onde cinco integrantes de uma banda de colégio tocavam músicas que transitavam do blues aos primeiros indícios de rock' n' roll.

Enquanto a chuva fraca se recusava a parar, outras nuvens se juntavam no céu e logo estaria chovendo torrencialmente outra vez, e o motivo disso não era o inverno, tampouco o início de um outono chuvoso. O motivo disso estava dentro do Cavern, sentindo as mesmas nuvens cobrirem sua mente, como um véu entre suas lembranças. Dois motivos, na verdade.

Um se chamava Maxwell, uma espécie de viajante temporal ultrapassado que estava ali cumprindo uma promessa ao outro motivo, que se chamava Eleanor Winter.

Eleanor Winter, naquele momento, sequer lembrava que era Eleanor Winter. Se lhe perguntassem onde estava, com muita dificuldade saberia responder, e se respondesse, diria que estava numa sala esterilizada de hospital.

A fumaça de vários cigarros estavam impregnando seus cabelos e arranhando seus olhos como navalhas, os calos nos pés a alertavam de que estivera pulando há algum tempo, a garganta irritada e a lata de refrigerante na mão davam o alerta de um possível resfriado. Olhou para os pés e não viu os sapatos, olhou para a frente e viu o palco, aparentemente distante, com jovens de sua idade pulando e balançando para todos os lados, arrastando as mãos nos braços das guitarras.

Estava girando algo nos dedos tão fortemente que sentiu um arranhão no polegar, quase deixando cair o objeto no chão.

Dois braços a envolveram pela lateral, um par de olhos a encarou tão de perto que sua visão turvou-se, e um sorriso se abriu no rosto embaçado.

—Nervosismo?—Perguntou o dono dos olhos e, sem obter resposta, franziu o cenho com preocupação.—Eleanor?

Eleanor sentiu suas pernas tombarem para a frente e o impacto dos joelhos no chão, sua cabeça girou em 360 graus e sua visão escureceu de vez, deixando-a inconsciente.

Não fosse a luz logo acima de onde ela havia caído, teria sido atropelada e pisoteada pelos pés de todos os outros presentes, Maxwell só percebeu que havia algo de errado quando sentiu que a única mão que segurava a sua havia sumido há muito tempo.

A Door to the FutureWhere stories live. Discover now