Conto completo

65 2 0
                                    

Eu não sabia ao certo o que sentia quando via aquele homem, esmeradamente vestido, sair do quarto 13 da pequena, mas arrumada pensão de Dona Inácia. Talvez fosse uma curiosidade quase insana de saber quem era aquele desconhecido que parecia não ter amigos e não cumprimentava as pessoas que passavam por ele (embora elas o cumprimentassem). Ele não costumava sair muito daquele quarto; quando saía não deixava de olhar para todos os lados antes de trancar a porta. Gostava de ignorar os outros hóspedes da pensão e, isso é apenas especulação, tive a impressão de ter visto um brilho em seus olhos e um sorriso em seus lábios quando o fazia. O sorriso daquele homem me causava calafrios, admito. Havia algo de mórbido e doentio nele; algo que não estava preparado para definir naquele momento.

A minha obsessão por aquele homem começou no dia em que cheguei àquela pensão. Obsessão sim, pois não me recordo de outro nome para colocar em minha curiosidade e vontade desenfreadas para descobrir quem era e o que fazia aquele homem. Era uma espécie de necessidade para mim. O fascínio que ele me despertava e a aura de mistério que o envolvia me transformavam num súdito desconhecedor de sua própria condição.

Numa manhã de Sol fraco, cheguei à pensão. Aluguei um quarto e, carregando três malas, tentei subir dezesseis degraus de escada. Virei-me de costas, a fim de carregá-las melhor, e esbarrei brutalmente no indivíduo que vinha logo atrás. Caí no chão e fiz o possível para não bater com a cabeça num dos degraus. Foi quando o vi pela primeira vez. Estava usando calças pretas e camisa azul-marinho; fios de cabelos caíam sobre sua testa, configurando suavidade em seu semblante. Estava vestido de modo impecável, embora seu estilo não aparentasse ser tão formal. Pedi desculpas e levantei-me com lentidão. Ele não respondeu, mas me fitou fixamente como se perguntasse: "Quem é você para esbarrar em mim e atrapalhar meu caminho?"

Fiquei estático ao olhar para ele. Seus olhos perfuravam-me a alma com intensa reprovação e — por que não dizer? — uma raiva que raras vezes senti em uma só pessoa. As imensas olheiras davam-lhe um aspecto um tanto nefasto; a nebulosidade de seu olhar e a forma sarcástica de seus lábios me congelaram até os ossos. É difícil explicar aquela sensação de inferioridade que experimentei. Confesso que não sei por que experimentei aquele tipo de sensação, mas sei que fiquei perturbado e não consegui dormir aquela noite. Subi a escada o mais rápido que pude, carregando as malas. O homem me seguiu com os olhos, sem mudar em nenhum momento a fisionomia rude que sustentava.

Eu queria e precisava conhecê-lo a fundo, mesmo sabendo que ele não me deixaria aproximar muito. Sabia que só conheceria o homem que ele permitisse que eu conhecesse. Em vez de descobri-lo, ele me descobriria...

Depois de uma semana naquela pensão, resolvi mudar a tática: passei a vigiá-lo enquanto estivesse no quarto; eu queria saber o que ele fazia ali, o que havia lá dentro. No mesmo instante em que o vigiava, sentia que era eu o vigiado. Girava a cabeça para todos os lados, procurando o intruso, mas nada encontrava. Realmente não havia ninguém em meu quarto, somente eu mesmo.

Toda vez que ele saía, eu, sorrateiramente, encostava um dos olhos na fechadura para tentar ver alguma coisa dentro do quarto, mas era em vão. A fechadura deixava observar apenas uma ordinária e enorme parede branca, como qualquer outra parede de qualquer outro quarto daquela pensão. Eu não conseguia ver nenhum quadro, nenhum vaso de plantas, nenhum abajur, ventilador, mesa, cadeiras... Nem ao menos um paletó pendurado num prego. Aliás, nem prego havia naquela parede. Era apenas uma parede de tijolos e massa, pintada de branco. Cheguei a pensar que o quarto estivesse vazio, mas seria difícil para o pobre sujeito permanecer trancado dias e mais dias num ambiente desprovido de conforto e distrações. A não ser que ele ficasse oito dias seguidos meditando, o que era biologicamente impossível. Aquele homem também tinha direito de ficar cansado.

O Quarto de um DesconhecidoOnde histórias criam vida. Descubra agora