Parte 2 - Surpresas de Natal

104 26 6
                                    


      O final do outono trouxe para os vales dias cada vez mais frios. Aos poucos, os topos das montanhas foram ganhando uma cor branca e a proximidade do Natal encheu a casa de uma alegria há muito conhecida. Ivar, que esperou por seu pai todo esse tempo, queria partir, mas sempre era dissuadido a ficar.

      Ele chegou a fazer incursões com as crianças pelas redondezas usando roupas emprestadas por eles, mas, nos últimos dias, queriam trazê-lo para dentro da casa. Arrumaram-no de forma mais adequada para que Ivar pudesse se apresentar diante de todos os convidados em um jantar, passando por filho de alguém das redondezas.

      — Mamãe vai perceber que ele está usando suas roupas, Werner Josef! — afirmou Brigita usando um vestido vaporoso atado com uma fita na cintura.

      — Mamãe não vai notar nada — insistiu Werner também arrumado e com cabelo penteado para trás. — Ela nem sabe o que eu visto!

      — Ela está ocupada com as visitas— endossou Gisela, também arrumada com um vestido longo e armado — Irá acreditar que os pais dele viajaram e que o convidamos para jantar. Dará certo.

      Estavam no período de Advent, comemorações que antecedem o Natal, e as crianças queriam, finalmente, trazer o visitante para participar dos festejos. Ele tinha se tornado o novo foco de interesse dos filhos de Herr Welser e estavam animados para ensinar todos os seus costumes.

      — Esta é a coroa de advent; hoje à noite acenderemos a terceira vela! — explicou Peter, mostrando uma guirlanda feita com galhos de pinheiro e enfeitada com fitas, colocada sobre a mesa de jantar junto com mais quatro velas, uma para cada semana que antecede o Natal. Separaram, então, biscoitos enfeitados e se prepararam para montar a árvore de Natal.

      — Não, Werner Josef! — reclamou Gisela segurando fios de prata em suas mãos e os arranjando em meio aos galhos da árvore — Precisa colocar um por um... Para ficar delicado. Depois prendemos os doces e as velas.

      Ivar observava, admirado, todos esses costumes humanos e achou aquele ambiente familiar muito agradável. Não que não houvesse carinho familiar em sua casa, mas nunca viu tantas crianças juntas. Em seu povo, o nascimento de uma criança era um evento extraordinário e, embora houvesse outras crianças em outras famílias, nunca existiriam tantos irmãos pequenos em uma única casa.

      O jantar foi servido a todos os convidados e Ivar foi levado à mesa das crianças.

      — Essas roupas não são de Werny? — perguntou a mãe, referindo-se ao filho por um apelido carinhoso.

      — Ele caiu no rio! — respondeu Werner, e recebeu uma cutucada de Kurt pela desculpa ridícula.

      A mãe olhou com desconfiança e prosseguiu:

      — E quem é ele, mesmo?

      — Sobrinho de nosso vizinho, Herr Miller! Está nos visitando— afirmou Albert brevemente.

A mãe ainda o observou com desconfiança, mas tinha outras preocupações em mente.

      — Você não sabe comer com os talheres? — perguntou Brigita, que tinha a sua comida toda cortada pela governanta, mas notava que o menino se atrapalhava para comer diante de tantos talheres distintos.

      — No meu mundo é diferente — explicou para ela um pouco confuso.

      — Eu já sei o que você é! É um elfo, eu vi em um livro — afirmou Kurt rindo.

      — O que é um elfo? — questionou Brigita

      — Um tipo de fadinha — afirmou Werner, que desatou a rir com escárnio. Brigita também riu, mas admirada e surpresa, com um amplo sorriso no rosto.

      — Pare com isso — pediu Gisela.

        —Ele disse que vai viver mais de oitocentos anos! Vamos estar velhinhos quando ele nos visitar novamente!— completou Werner rindo e erguendo as sobrancelhas.

      — Não sabemos sobre isso— afirmou Albert incrédulo.

      — É verdade! — insistiu o menino — Meu pai já viveu muitas guerras antes de encontrarmos o caminho para nossa cidade. Lá vivemos em paz, todos juntos, sem distinções e longe dos problemas desse mundo.

      — Se os Nemtsi também vivem tanto, porque vocês lutam? — insistiu Albert — Não são iguais?

      — Não... Os Nemtsi não são tão rápidos como nós — explicou — Nem são tão fortes nem suas mulheres podem prever o futuro...

      — É por isso que querem matar todos vocês? — questionou Gisela.

 É complicado explicar... Na minha cidade vivemos todos juntos, Nemtsi e Guerreiros. Mas os Nemtsi estão em maior número no mundo de vocês, e eles nos temem pelo que somos. Tivemos paz quando encontramos a cidade da montanha. Lá não existem conflitos e somos todos aceitos.

      —Mas, então, eles vivem entre nós? — insistiu Albert novamente — E vivem mais de oitocentos anos escondidos entre as pessoas?

      O menino acenou positivamente com a cabeça.

      — Mas eles têm as próprias cidades, também — completou.

      Uma das preceptoras se aproximou para encaminhá-los para outras atividades e as conversas sobre esse assunto se encerraram. Prosseguiram-se atividades animadas em que as outras pessoas da casa participaram e ouviram-se músicas de Natal.

      Ivar passou a semana com aquela família e se admirou com todos os festejos de Natal, que eram diferentes de sua cidade. Sua família havia vivido entre os humanos no passado, mas há muito tinham se refugiado e ele cresceu sem contato com esse mundo.

      No dia seguinte, ele insistiu em partir. O inverno se intensificaria e dificultaria seu retorno à montanha.

Através do mundo NemtsiWhere stories live. Discover now