Capítulo Único

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Mariana não enxergava nada além do branco excessivo e a luz cegante. Permanecia amarrada em uma cadeira relativamente confortável, com uma agulha no braço e o sangue sendo filtrado para uma máquina ao seu lado.

Suas lágrimas já haviam secado há horas, mas as lembranças ainda eram vivas em sua mente. Mesmo se vivesse cem anos, lembraria daquele dia e daquelas cenas com toda a intensidade. Abandonara tudo. Deixara tudo para trás. O corpo das pessoas que amava, suas coisas, sua casa e, por fim, sua cidade. Fora tudo consumido pelo fogo. Agora só restava a si mesma. Ou pelo menos, metade de si, já que muito lhe foi tirado.

Além da família, do lar e de todos que conhecia, perdera sua vontade de viver. Nem mesmo as roupas que usava, as únicas lembranças da vida que deixou para trás, foi capaz de manter. Seus cabelos longos, escuros e sedosos, foram raspados sem piedade por pessoas que  usavam roupas largas e estranhas e não lhe dirigiam muitas palavras.

Tudo aconteceu tão de repente e ela mal pode entender. Estava em frente à casa de Amanda, na calçada, chorando, quando uma van parou em sua frente e dela desceram dois homens. Até onde procurara a cidade estava vazia, porém aquele veículo surgira do nada e após trocarem poucas palavras e Mariana explicar o que lhe acontecera, os homens lhe prenderam contra sua vontade.

Como estava fraca e debilitada, não pôde resistir. Os homens foram mais fortes do que ela e por mais que quisesse ter permanecido em sua cidade e deixar que as chamas lhe consumissem como consumiram o resto, não teve escolha. Após um telefonema, os dois homens lhe prenderam.

A única coisa que lhe disseram foi que ela poderia ser a chave para tudo e teriam que levá-la com eles, por mais arriscado que isso fosse. Jogada na van, foi despida de todas as suas roupas e teve o cabelo raspado. Assim que os dois homens saíram e lhe deixaram caída ao chão, pelada e desorientada, uma fumaça surgiu e tudo o que lembrava era de acordar mais tarde, já distante de sua cidade e de ver pela janela as chamas consumindo tudo aquilo que conheceu.

A van prosseguia enquanto ela se jogava contra o vidro, tentando fugir, vendo ao fundo a fumaça escura subindo. Não poderia abandonar tudo. Queria voltar e queimar junto com os corpos de seu pai, sua mãe e sua irmã. Queria voltar e virar um punhado de cinza, assim como o que conhecera.

* *

– Voltamos com mais informações diretamente da Suíça, onde nosso enviado especial Eduardo Monjori acompanha a reunião do G20. Eduardo, temos novidades?

A repórter passou a dividir a tela com o jovem rapaz.

– Temos sim, Carla. Acaba de ser divulgada oficialmente as decisões tomadas na reunião que durou mais de oito horas entre os líderes dos vinte principais países do mundo – o repórter estava em frente a um enorme prédio, com diversas janelas alinhadas e simétricas. Ao fundo se via outros jornalistas com seus microfones nas mãos e cinegrafistas com suas câmaras. A informação era repassada ao mundo todo. Seria questão de minutos até que todo o planeta soubesse.

– E quais são elas? – Nem a âncora do jornal continha sua curiosidade. E o Brasil todo espelhava sua atitude. Em todos os lares, o volume estava alto e os habitantes prestavam atenção às próximas frases que seriam ditas.

A tela focou inteira no jovem repórter:

– É algo completamente inédito na história da humanidade. Mas Hyston, presidente dos Estados Unidos, garante que é a melhor alternativa no momento. Não pode-se correr riscos e a espécie humana não pode ser extinta. Para evitar isso, uma sociedade será criada, isolada do restante do mundo para impedir a contaminação. Ainda não foi decidido com exatidão o local dessa nova comunidade, mas cogita-se a hipótese de utilizar a Antártida, o deserto do Saara, a Floresta Amazônica, ou criar uma plataforma com uma cidade flutuante no meio de um dos oceanos ou ainda, e até mesmo, a colonização de Marte.

Tazur - A FundaçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora