O Encanto da Lira de Orfeu

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"(...) Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora.
E que ninguém chamará mais. (...)" - Edgar Allan Poe


     As sereias choravam sob a doce e melódica serenata que provinha da lira de Orfeu. Nunca antes notas tão tristes foram tocadas por um ser mortal, e era justamente naquela tristeza poética que residia a beleza e o encanto de sua música. As mulheres do mar nadaram até as margens da praia e se reuniram para assistirem, hipnotizadas, aquele espetáculo.

     O som de sua lira era de partir o coração de qualquer ser que a contemplasse. Notas agudas e elevadas, arpejos brilhantes, frases serenas e repletas de magia. A serenata havia sido composta para Euridice, sua amada companheira que fora levada para o submundo após ter sido picada por uma serpente venenosa. Disposto a trazê-la de volta a vida, certa vez Orfeu desceu até o fogo do inferno de Hades com a intenção de buscá-la, mas mal sabia ele que os mortos não podiam viver no mesmo mundo em que os vivos.

     A lira de Orfeu possuía em si uma sonoridade tão divina que encantou os ouvidos do senhor do submundo, e que, desejando sempre poder ouvir Orfeu tocar, não permitiu que Euridice voltasse à Terra. Todas as noites desde então, ele passou a tocar sua lira, na presença do mar, com a esperança de que Euridice pudesse escutá-la no além e ter a certeza de que ele sempre a manteria em seu coração.

     Todas as noites as sereias saiam das águas, algumas chegavam a assumir a forma humana e tentavam Orfeu com sua extraordinária beleza, exibindo seus corpos nus e suas curvas acentuadas, implorando que Orfeu as tomasse, as adorasse e as amasse, porém seu coração e seu desejo pertenciam tão somente à Euridice.

     Orfeu! Orfeu! – as criaturas clamavam o seu nome. – Orfeu! Sou toda sua! Faça o que quiser comigo! – mas Orfeu as ignorava completamente.

    Um certo dia, inconformada com a recusa de Orfeu, uma sereia engenhosa conhecida por Pisinoe, a controladora de mentes, transformou-se e assumiu a forma perfeita de Euridice, saindo da água, com seus cabelos longos e dourados, banhada pela luz da lua.

     Quando Orfeu viu o rosto de Euridice novamente, lágrimas escorreram por sua face. De alguma forma ele sabia que aquela era uma impostora, mas fazia tanto tempo que não via o rosto de sua amada, que olhar para ela daquele jeito lhe fez lembrar-se de como era doloroso e insuportável viver sem tê-la ao seu lado.

     - Venha comigo, Orfeu! – falou Pisinoe com a voz sedutora, enquanto acariciava o rosto dele.

     Orfeu segurou a sua mão, e todas as sereias que assistiam em silêncio ficaram admiradas com a artimanha da controladora de mentes. Eles caminharam juntos e entraram no mar. Enquanto seu corpo ia desaparecendo da superfície, Orfeu olhou para a lua e disse uma última vez:

    - Euridice, meu amor! Espere por mim! Logo me unirei a ti e ficaremos juntos novamente, para sempre.

     Orfeu desapareceu nas águas escuras. Abraçado à sua lira, ele foi levado por Pisinoe para as profundezas do oceano. Hades enfim havia conseguido o que tanto desejava.

- Fim -


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⏰ Last updated: Apr 11, 2019 ⏰

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