DOIS

78 12 33
                                    

Faz anos que não vimos aves no céu.

Da última vez que vi um pássaro eu tinha oito anos. Lembro-me como se fosse ontem o modo que me senti. A imagem é nítida em minha mente, mesmo que tenha se passado onze anos desde o acontecimento.

O pássaro não tinha nome. Me recordo de suas penas negras enquanto planava lindamente sobre a copa das árvores com folhas já ressecadas e obscurecidas. Era a coisa mais bela e incrível que eu já tinha visto no mundo perdido em que vivia. A ave era como um acrobata e o céu sua corda bamba.

A alegria não durou muito. O pássaro voou mais além, mais alto até que encontrou seu ápice, para logo em seguida cair a esmo no pó da terra.

Foi assim que descobriram a causa das mortes dos pássaros e porque estava acontecendo tantos desastres naturais. Nosso ar está poluído com gases tóxicos e o efeito estufa se agravou de um modo intenso. Era o início da morte lenta do planeta e de toda vida terrestre.

- Lila. - Olho para Nickolas. Os braços magros estendidos em minha direção e eu sei que ele está cansado. Não é necessária uma corrente de palavras para meu irmão expressar o que está sentindo. Aprendemos a ler os sentimentos um do outro quando fomos jogados à sorte nesse mundo enganador.

Pego-o nos braços e o coloco em minhas costas. Automaticamente seus braços rodeiam meu pescoço e suas pernas minha cintura. Início novamente a caminhada, disposta a parar em algum lugar feito de paredes e com um teto. Precisamos de um lugar seguro para ficar e estamos cansados de seguir caminhada. Faz cinco dias que saímos daquela cidade em que nos escondemos. Cinco dias caminhando sem rumo, em busca de suprimentos e primeiros socorros. Estou exausta, mas sigo andando com as forças que me restam.

Trinta minutos depois, Nick está dormindo e ainda não achei nenhum estabelecimento. As estradas permanecem vazias, presente nelas somente ruínas e carros destruídos. Não sei se fico aliviada ou chateada. Estou muito cansada para pensar.

Olho para o chão e me concentro em meus passos. Um. Respira. Dois. A coluna dói, mas continuo a inspirar e expirar. Seis. Tudo fica turvo; acho que pulei números.

Na minha mente vem a imagem da minha mãe, Ethel Aston. Uma mulher feliz e alegre, ou era. Não sei bem quem, de fato, foi minha mãe. Depois que tudo começou e papai morreu, Ethel enlouqueceu e foi embora. Um dia acordei e ela simplesmente não estava mais lá. Eu tinha quinze anos e Nick dois, desde então somos apenas nós dois e assim está ótimo.

Cambaleio um pouco e procuro um lugar para parar, mas, mais que tudo, vejo-me cercada por asfalto quebrado e metal retorcido. Isso me lembra vagamente o inferno que minha mãe muitas vezes contava quando encarávamos o mundo através da janela de casa.

Tropeço em algo, meu irmão desperta com o movimento abrupto. Delicadamente coloco-o no chão e me deixo deitar, fechar os olhos por um momento. Respiro com dificuldade, parece haver uma pedra esmagando meus pulmões e tampando minhas artérias, impedindo a circulação do oxigênio. Estou tão, tão cansada.

- Lila. - Nick chama, contudo não abro os olhos. Sinto-o me balançar e dizer com uma infantil voz assustada. - Lila, acorda.

Tento abrir meus olhos, mas a exaustão me vence e logo eu sou a única conspirando com a escuridão, me jogando em seus convidativos braços e deixando-a me levar para o melhor lugar que ela tem. A inconsciência.

(593 palavras)

Dias Sem FimDove le storie prendono vita. Scoprilo ora