Capítulo I - Parte I

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Acordei com o corpo coberto por um suor pegajoso e uma sensação de pânico dominando meus sentidos. Abri os olhos, com dificuldade para respirar e me mover, como se algo muito pesado me segurasse na cama, empurrando meu corpo contra o colchão. Por alguns segundos, tentei desesperadamente me mover e senti o grito travado na garganta, as lágrimas escorrendo. Fechei os olhos com força novamente, lembrando das palavras de Jeanine: "Respire, é apenas um sonho! " Respirando fundo várias vezes seguidas para dominar o pânico, abri os olhos e quando o torpor finalmente se dissipou, consegui me levantar praguejando.
Estou cansada, com o corpo dolorido e a cabeça latejando. Olhei no espelho e as olheiras escuras sob meus olhos denunciaram mais uma noite horrível. Me encarei com um suspiro de resignação. Não importava o que eu fizesse, o resultado de dormir era sempre o mesmo. Adiava ao máximo essa hora, e só quando vencida pelo cansaço acabava por pegar num sono agitado e cheio de pesadelos confusos. Quando acordava, estava coberta por um suor pegajoso, semblante pálido e profundamente deprimida.
Fui até a pequena cozinha e engoli uma aspirina, conferindo as horas notei que tinha uma ligeira vantagem sobre o relógio, então calcei meus tênis de corrida e me arrastei em direção a esteira ergométrica. Em dias assim, me exercitar é a maneira mais eficaz de dizer ao meu corpo para sair do torpor, uma forma de oxigenar o cérebro e obriga-lo a pensar de forma coerente depois de uma noite tão confusa.
Enquanto a velocidade dos meus passos aumenta espantando o sono e criando ritmo até transformar-se numa revigorante corrida, vou organizando mentalmente a agenda do dia. Quando entro no piloto automático e começo a fazer o que sei -E o que gosto- esqueço os problemas e é como se o mundo inteiro parasse lá fora. Isso é o que me mantem na ativa. Isso é o que me mantém viva e sã neste momento negro da minha existência!


Faz um intenso calor em São Paulo, então escolho uma roupa leve mas elegante e opto por uma maquiagem natural, reforçada apenas nos olhos para esconder as olheiras, um par de brincos de pérolas pequenas, os cabelos num rabo de cavalo volumoso e borrifo levemente meu Olympéa ao redor, ficando bastante satisfeita. 
Alguns minutos mais tarde já dentro do meu impecável Kia Sorento, fico parada observando o jardim necessitado de cuidados. O que antes era bem cuidado e digno de tantos elogios, hoje são apenas folhas secas e muita erva daninha. Lanço um último olhar para a antiga construção e sinto meu coração afundar no peito outra vez. Reafirmo que preciso me desfazer dessa casa. Todos os dias tomo essa mesma decisão, e todos os dias a adio para um tempo em que eu me sinta mais pronta a leva-la adiante. Todos os lugares para onde olho estão repletos de lembranças, um misto de amargo e doce paira no ar e isso esta me consumindo aos poucos. Dou um último olhar antes de fechar o portão e enquanto ele desce, eu quase posso vislumbrá-la na janela, soprando seus beijos orgulhosos. Meu coração aperta, meu olhar mergulha em água e sal e eu pisco para afugentar as lagrimas. Passo pelas contraditórias ruas da Moóca a caminho do centro de São Paulo devagar. Aqui, as casas tradicionais, com construções modernas e antigas se opõem aos arranha-céus que estão proliferando pelo bairro. Algumas das famílias mais antigas, ainda resistem firmemente ao "progresso" o que só torna o bairro ainda mais cheio de carisma e personalidade.

Quando finalmente alcanço meu destino, estou dez minutos atrasada, coloco o carro no estacionamento e sigo apressada em direção à padaria onde costumo tomar meu desjejum. Caminho apressada e passo pela banca de jornal costumeira sem parar, apenas acenando para o Davi e ele já sabe que deve mandar o jornal do dia para o escritório. Sim, eu ainda gosto de jornal no papel. Sei que é ultrapassado, mas gosto de manusear a notícia enquanto leio, sem ocupar a mente por mais tempo com mais uma tela luminosa e cansativa diante dos olhos. Trabalho diante de um computador e um smartphone a maior parte do tempo, então sempre que tenho a possibilidade, opto por me distanciar um pouco da tecnologia.

À flor da pele - Ana ( Um capítulo para Degustação)Where stories live. Discover now