Anahí, sem se preocupar com nada, embalada pelo romantismo, se deixara levar pelo carisma e sensualidade de Alfonso. Mas ele não passava de um estranho, a mãe cansara de lhe avisar.

— E eu que pensei que o conhecesse...

Durante o breve namoro, eles passavam horas e horas falando sobre tudo que existia sobre a face da terra, e fora dela também. Anahí ficara sabendo que Alfonso havia herdado a pele morena do pai, texano, descendente de espanhóis. Os olhos verdes ele herdara da mãe, cujos ancestrais, eram canadenses. Também ficara sabendo que Alfonso havia nascido dentro de um trem, quando os pais haviam resolvido tentar a vida no Canadá.

— Tudo muito romântico, tudo muito... mentiroso.

Anahí sentou-se na cama e se perguntou em pensamento: "Será que é mentira também que os pais dele tiveram uma vida muito difícil no Canadá, que precisaram da ajuda de outras pessoas para conseguirem sobreviver e, no final, acabaram morrendo quando Alfonso era ainda criança?"

Alfonso lhe contara que os pais, ao chegarem no Canadá eram praticamente miseráveis. Quase sem estudo, a mãe tinha trabalhado muito em serviços considerados menores, enquanto o pai, um homem bom, mas que só se interessava por poesias, acreditava que, um dia, seria reconhecido como um grande artista.

— Seu pai não trabalhava? — Anahí quisera saber.

— Meu pai escrevia o tempo todo. Ele acreditava no que fazia. E minha mãe acreditava muito nele. Por isso, por acreditar muito no meu pai, e no futuro brilhante que teriam juntos, não media esforços. Mas o que ela ganhava mal dava para a gente comer. Num inverno, o frio era tanto que, para conseguirem aquecer melhor a casa onde morávamos, os dois acabaram, acidentalmente, pondo fogo em tudo — Alfonso lhe contara, com lágrimas nos olhos. — Os vizinhos correram para ajudar, mas já era tarde. Os dois morreram. Até hoje não entendi como consegui sobreviver, como conseguiram me salvar.

— Quantos anos você tinha, Alfonso?

— Tinha acabado de completar seis anos.

— E o que aconteceu? Mandaram você para um orfanato?

— Não, a comunidade que vivíamos resolveu que iria me adotar. E foi uma espécie estranha de adoção. Morava na casa de um, na casa de outro... E, na verdade, jamais me aceitaram, apesar de se esforçarem, apesar de serem pessoas muito boas. Fisicamente eu era muito diferente de todos. As pessoas de lá eram todas muito claras. E eu, moreno de olhos verdes, era encarado como um alienígena, como se tivesse descido de Marte, sei lá...

Fez uma pausa para respirar e continuou:

— Na verdade, eles sempre me olharam com desconfiança. Afinal, eu era o filho do poeta, do homem que, de tanto escrever acabara pondo fogo na própria casa. E as crianças, zombavam de mim por causa disso. Zombavam tanto que, quando eu tinha dezesseis anos, resolvi fugir e fazer a minha vida sozinho. Sem dinheiro, cheguei em Vancouver e prometi a mim mesmo que iria vencer. Órfão, sem parentes que pudessem me ajudar e me encaminhar na vida, sem conseguir fazer uma universidade, houve momentos que me desesperei e pensei em desistir. Mas, apesar das dificuldades todas, apesar de sentir que tudo estava contra mim, fui em frente. Sabe, Anahí, apesar de tudo sempre existiu dentro de mim algo, uma espécie de voz interior, que dizia para eu prosseguir.

— Sua vida foi muito dura...

— Foi. E eu entendo o fato de sua família, a sua mãe me especial, não me aceitar. Se eu fosse filho de alguém importante, tudo seria diferente. Mas eu lhe asseguro que jamais irá se arrepender de ter me conhecido.

As cenas vividas com Alfonso, as palavras, as juras de amor, continuaram, como num filme, passando pela mente de Anahí. Ela se levantou, abriu a porta, pegou as malas que Alfonso havia deixado e voltou para dentro do quarto. Desanimada, ficou alguns instantes olhando para as malas e, em seguida, se aproximou da janela. Após tê-la aberto, inspirou profundamente e todos os seus sentidos foram preenchidos por um cheiro suave de rosas. Anahí olhou para o céu. A noite era de muitas estrelas. Uma noite feita sob medida para pessoas apaixonadas.

UM PRESENTE INESPERADOOnde histórias criam vida. Descubra agora