Capítulo 1 - Colisão.

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Blumenau, setembro de 2007.

É noite, mas eu não sei dizer com precisão o horário. Talvez fosse madrugada. Não consigo definir se está quente ou frio, mas sinto um arrepio percorrer o corpo quando me deparo com a entrada da pequena rua de barro. Há árvores altas de ambos os lados, pedregulhos que atrapalham a caminhada e uma placa de metal onde não pude ler com clareza as informações, mas posso garantir que tem algo a ver com a história daquele lugar. Ali era o começo da grande ponte de ferro.

Eu estava ofegante. Podia sentir o pulsar do coração em todas as extremidades do meu corpo suado. Um pé depois do outro sem perder o ritmo, caminhei como quem tem um objetivo a alcançar. Mirei o outro lado da ponte e quase não enxergava bem por conta da neblina. Pisei na ponte e me apoiei com uma mão na barra lateral, sentindo o vento úmido subir das águas lá embaixo. Era tão alto que eu fiz o maior esforço possível para não encarar as pedras. Vertigem e medo era o que eu mais sentia, como se fossem palpáveis, mas não parei. Um pé depois do outro. Era apenas eu, a escuridão e a ponte.

Ao passo que eu avançava, perdi a noção do quanto havia caminhado e da dimensão daquela ponte. Era como caminhar sem sair do lugar. Me senti perdido e completamente só, e o medo voltou com mais força, até que avistei uma silhueta humana no outro lado, parada diante da ponte, como se me esperasse chegar. Era uma silhueta andrógina, uma sobra em meio à neblina, um mistério que até então não fazia sentido algum, e comecei a me perguntar se voltar não seria uma ideia melhor. Quando olhei para trás, a entrada da ponte parecia bem mais distante agora e, num piscar de olhos, encarei o rio por debaixo dos meus pés. A altura era atraente, o abismo abaixo de mim e as pedras que desenhavam abstratos nas águas agitadas me fascinavam, e me amedrontavam ao mesmo tempo. Era uma atração de morte.

Meus pés ainda estavam se movendo quando percebi a presença mais perto de mim. Aquela silhueta agora tomava a forma de um anjo, com seu corpo masculino e asas abertas, não pude evitar a gargalhada, e antes que tudo aquilo me fizesse perder as estribeiras, acabei sentado na minha cama, ofegante e suado, como quem interrompe uma corrida no meio do caminho devido ao cansaço. Eu acabava de sair de um pesadelo maluco e quando me dei conta, não estava na minha casa, nem na minha cama. E foi então que lembrei: era a casa de Bruna Lara, minha melhor amiga. Está tudo bem – eu disse a mim mesmo, voltando a deitar a cabeça no travesseiro, enquanto percebia o feixe de luz entrando por entre as persianas do quarto.

Na noite anterior, Bruna e eu deveríamos ter feito o trabalho de sociologia juntos, mas ao invés disso, passamos a madrugada fazendo maratona de Grey's Anatomy com os DVd's que ela comprou num surto obcecado pela série. Não fizemos nada além de assistir e comer besteira até pegarmos no sono com a TV ligada. Estamos ferrados! – Pensei, enquanto sentia o aroma de café invadir o quarto. Bruna já estava acordada preparando alguma coisa antes de sairmos para a escola.

Ainda perturbado com o pesadelo, levantei da cama e me encarei no espelho da penteadeira de Bruna. Meu rosto era o mesmo, nem um fio de cabelo branco a mais e nem uma ruga nova.

- Feliz aniversário! – Exclamou Bruna, me assustando ao entrar no quarto com uma xícara de café.

Bruna estava feliz. O rosto radiante ainda por maquiar, os cabelos longos e castanhos soltos pelos ombros, a camiseta de ontem sem nada por baixo além da calcinha. Era assim que ela se sentia à vontade, e foi assim que acostumamos nesses quase dez anos de amizade. Nem seus pais estranhavam mais essa nossa intimidade.

- Obrigado. – Respondi, revirando os olhos em sinal de reprovação. – Mas vamos parar por aqui. É só mais um aniversário. – Expliquei enquanto pegava a xícara de café. – Não vamos fazer mais do que é.

- Não mesmo, Pedro. – Ela retrucou antes de se abaixar para abrir a gaveta, de onde retirou uma caixa média embrulhada num papel de presente roxo.

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⏰ Last updated: Aug 15, 2017 ⏰

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