Onde o mal se esconde

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Madame Rose estava sentada na poltrona de sua sala, as mãos sobre a mesa de vidro redonda folheavam a agenda negra de brochura velha. O ambiente estava tomado pelas trevas, a não ser pela luz de algumas velas envolta de uma bola de cristal no centro da mesa. Com as mãos tremendo a velha achou a folha que procurava e bateu o dedo em cima de uma anotação, "Exorcismo, seis da tarde".

                Ela, tossiu e fitou o velho relógio de madeira na parede que batia com o horário da anotação.  Em silencio ajeitou os óculos de grau no rosto, acendeu um grosso charuto cubano e começou a fumar. Aos 85 anos ela era uma médium muito requisitada, os negócios iam bem, mesmo em tempos de crise, quando assunto era recuperar o amor perdido, ou mesmo quebrar a macumba de algum invejoso, as pessoas não ligavam muito para o preço, mas sim para o resultado. E mesmo em um mercado com tantos charlatões, Madame Rose realmente tinha um dom, desde pequena ela podia ver e falar com espíritos, fossem bons ou não... Ela também tinha visões do passado e futuro. De início seu objetivo era apenas ajudar aqueles que buscavam respostas no sobrenatural, mas conforme a idade foi chegando e as contas de uma vida miserável aumentado, ela decidiu empreender o dom.

                De repente alguém bateu na porta. Com a voz rouca ela mandou que entrasse.

                Pai e filho adentraram de mãos dadas. A criança, um garotinho gordo de cabelos loiros e rosto sardento, sentou-se na poltrona de frente para a mesa da médium, dali ele mal podia enxergar a velha. O pai, um homem magro de meia idade e rosto abatido, ficou ao lado da cadeira.

                -O dinheiro!  – Disse Madame Rose para o homem.

                Tremendo ele colocou uma nota de cem sobre a mesa e empurrou para que a velha pegasse.

                -Para quem é o exorcismo? - Indagou Madame Rose fitando os dois com olhos curiosos por trás das lentes de grau.

                -Para o meu filho, George, ele foi possuído pelo diabo – Explicou o pai coçando a cabeça.

                -Conte-me mais! – Disse a velha tragando o charuto e soltando a fumaça pelas narinas.

                -Quando ele está por perto, coisas acontecem... Pessoas se machucam... Descobrimos que ele estava matando animais da vizinhança, achamos corpos destruídos, estripados, queimados... – Ele fez uma pausa buscando coragem para continuar – Céus! Ele crucificou um cachorro vivo... E-e-e semana passada tentou sufocar a irmãzinha, um bebe de apenas seis meses... Nos ajude por favor! – Suplicou.

                A velha esmagou os charuto no cinzeiro e observou o garoto com mais atenção. Ele mal havia saído das fraldas, a pele do rosto era lisa como porcelana e brilhava ante a luz das velas. Os cabelos loiros caiam na frente dos olhos verdes, as bochechas eram roliças, laranjas debaixo da pele. Analisando com frieza e curiosidade, a velha buscou enxergar o mal por traz daquele rostinho infantil sem expressão. Sem sucesso ela esticou os braços flácidos pela mesa, e pediu que o pai aproximasse a criança. O homem assentiu e ergueu o filho que se queixou gemendo. Madame Rose envolveu o rosto do garoto com suas mãos e fechou os olhos. Usando de seu dom ela adentrou na mente dele, procurando o diabo que estava controlando seu corpo como uma marionete.

Em meio a um oceano de lembranças, pesadelos, sonhos e desejos, que se projetavam em flashes que explodiam a seu redor, ela viu os atos profanos relatados pelo pai da criança. Mas ela viu detalhes que o pai não pode ver.... Madame Rose viu o "durante", ao invés do "depois", todo o sangue, toda a carne e sofrimento dos animais mortos pelo garoto, viu também que ele já havia tentado matar a irmãzinha antes, mas foi impedido pelo acaso. Ela também podia ouvir... E durante tantos crimes abissais executados pelo pequenino, um som era comum. O riso doente, estridente de mais pura e sincera diversão, permeava as lembranças.

Caminhando mais fundo na mente do garoto, Madame Rose podia sentir que estava chegando a fonte do mal. Sim, o diabo parecia estar próximo e a cada passo ela se afundava mais e mais naquele oceano de pensamento. Para que pudesse começar o exorcismo, era preciso descobrir o nome do diabo, pois só assim ela poderia confronta-lo e manda-lo de volta as brasas infernais.

Quando ficou totalmente submersa no oceano onírico, ela encontrou uma porta. Fim da linha. Ali era o final da mente do garoto, e aquela porta era a entrada para a alma dele, atrás dela o diabo estaria esperando... Madame Rose respirou fundo, pegou a maçaneta gelada e abriu a porta.

La estava o mal, e assim que ambos trocaram olhares a velha médium ficou sem palavras, de início ela demorou para conceber. Receosa ela perguntou o nome do ser ali presente. Ao ouvir a resposta, um grito de pavor morreu na garganta da velha. Era horrível demais, profano e perverso para que ela aceitasse. De repente sua vista ficou turva e tudo escureceu, quando abriu os olhos estava de volta ao mundo físico, ainda segurando o rosto do pequenino.

Risos.

Ela forçou a vista ainda embaçada e fitou a criança. Por trás dos cabelos loiros, seus olhos verdes brilhavam, na boca um sorrido doentio e febril se projetava. Os lábios estavam repuxados, os dentes de cima, amarelos, mordiam a parte inferior dos lábios que sangrava. A criança não parecia sentir dor, mas sim prazer, pois ria enquanto apertava a mordia.

Madame Rose soltou o rosto da criança e recuou assustada. Pois sabia que nada poderia fazer, seu dom era inútil contra aquele adversário. Não havia diabo naquele garoto, o que havia ali, era o próprio garoto ...

FIM.

Escrito por Rodrigo Rodrigues

28/08/2016

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