Lágrimas de Sereia

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     A lua sendo refletida na água cristalina do mar sempre foi o motivo para eu continuar fazendo parte das Caçadas. O prateado brilhoso dela ameniza os efeitos do clima mórbido que se instala em toda a colônia. Além disso, é uma bela última visão para o azarado que for achado por uma Caçadora como eu. Como dizem as outras, se eles foram bons nessa vida, não se juntarão à Syrena nas profundezas do oceano.

     Eu deveria agradecer à Netuno todos os dias pelo dom que ele me concedeu, ou pelo menos é isso o que escuto quando resolvo compartilhar as minhas ideias com as outras. Ser uma Amiga da Água é coisa rara nesses dias, pois há muitos anos nosso criador se zangou com uma Caçadora e isso diminuiu o nosso número, portanto eu deveria me sentir especial. Como se eu, outrora denominada Sereia Comum, despertasse algum interesse no grande Deus do mar. No momento eu não venho despertando interesse nem nas Berrantes.

     Sou conhecida na colônia como a melhor Caçadora dos dias de Lua Cheia. Meus dons foram treinados com mais rigorosidade, o que trouxe para mim a capacidade de sentir as vibrações da água em maior distância que a outra. Isso não significa, entretanto, que as Berrantes queiram ficar perto de mim durante a Caçada. Eu sou a mais rápida, então posso avisar ao meu grupo com mais facilidade do que os sons daquelas exibidas fariam. Eu trabalho sozinha há muito tempo e é assim que permanecerei até que o grande Deus me chame para se juntar a ele.

     As Comuns não possuem nada além do básico: o canto mortal e a beleza. Por isso, são consideradas um peso morto para a colônia e, consequentemente, as últimas a obterem uma Oferenda. É algo que eu abomino na lei da minha espécie, porém não quero ser a próxima amaldiçoada por Netuno, portanto mantenho a boca fechada.

     Nós, as Amigas da Água, temos a capacidade de sentir as vibrações que as navegações fazem na água, também podemos ouvir as vozes dos humanos tripulantes, mas isso é respeitosamente ignorado, já que é de maior confiança que apenas a Água nos diga onde elas estão. Na hierarquia, estamos acima das Comuns, que não possuem dom algum, apenas carregam o fardo de serem inúteis para a colônia. Eu, com o aprimoramento dos meus poderes, recebo um certo respeito das Berrantes — que estão logo acima de nós —, então nossa pirâmide não se aplica a mim.

     As Berrantes são as mais feias. Com a possibilidade de emitir um som silencioso para os humanos, mas barulhento e irritante para as sereias, elas avisam ao grupo que pertencem que a Caçadora achou seu alvo do mês. Mesmo não sendo atraentes para os homens, o dom delas é mais respeitável do que os das Amigas da Água, porque foi assim que nossa realeza determinou que fosse. Caso alguém discuta com a separação de poderes, que seja jogado em uma área de caça humana e morra lentamente por suas ferramentas de pescaria.

     O topo pertence à Realeza. As sereias cujo dom é interferir na natureza pertencem a esta classe. Normalmente são esnobes e cruéis, apenas para demonstrar poder. O dom delas é completamente inútil, pois o Deus do mar as proibiu de mudar o curso da Natureza, e que seja aprisionado nas profundezas escuras e sombrias do oceano ao lado se Syrena, antiga sereia da Realeza, aquele que se opuser. Não desejo a fúria de Netuno ou da Realeza, portanto não discuto.

     Esta noite o mar estava calmo e sereno, como se soubesse o que nós precisamos fazer para nossa sobrevivência. A Água, mesmo que todos discordem, é a mais sábia de todos os elementos da Natureza, além de ser a mais valorizada por sua criadora. Ela sussurra os segredos do Universo para todos, mas as Amigas da Água são as únicas capazes de decifrar seus murmúrios. Eu, entretanto, bloqueio suas palavras e as mantenho longe o suficiente para não atiçar a minha curiosidade. O conhecimento pode ser bom, mas em excesso causa a morte. Por isso que nesta noite os meus sentidos estavam aguçados. A Água estava quieta.

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