Capítulo [3]

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-Emma

  Naquela noite eu não consegui dormir. As cenas que eu assisti, vezes sem conta, durante longos períodos de tempo, não faziam apenas marcas pelo meu corpo. Os contínuos pesadelos, o isolamento, as graves dores de cabeça e o constante sentimento de angústia, eram sintomas de que o meu pai não se limitava a matar solenemente a minha mãe. Mais tarde ou mais cedo, eu morreria. Uma morte mansa, trespassada vagamente por uma corda invisível que me arrasta até um beco.

  A porta é aberta cautelosamente pela minha mãe. Marcas que em breve se tornariam roxas já eram visíveis no seu rosto. Sorriu ternamente mas esse ato apenas lhe causava dor, uma vez que ao sorrir se contorceu de dores. Ele era um monstro. Sentir prazer, ao bater em seres indefesos era um ato de pura cobardia. Ele era um cobarde, um nojento, mas acima de tudo era meu pai.

  "Meu amor, trouxe-te chá e um comprimido para as dores"- assenti e ingeri ambos.

  Assim que a minha mãe aposenta-se do quarto, começo a fazer a minha higiene. Procuro a base e, logo que a encontro, passo-a cuidadosamente, mas a cada toque um intenso formigueiro queimava-me solenemente a pele.

  Após estar devidamente arranjada, saio do quarto já com a mochila ás costas.

  Eu queria ir buscar algo para comer pelo caminho, mas assim que passo pela cozinha e vejo o meu pai com uma carranca profunda no rosto mudo automaticamente de direcção, indo até à porta da rua, dizendo apenas um breve 'até logo'.

  Quando saio para fora do prédio, uma lufada de ar gélido corta-me a respiração. O clima cá fora estava tão insípido como dentro de casa. Caminho lentamente pelas ruas, podendo observar tudo o que me rodeia com bastante prudência.

   Paro quando chego a um parque. O vento estava ríspido, as poucas plantas que nele se encontravam estavam sem cor e as árvores já sem folhas a adorna-las mostravam uma certa tristeza. Mas, no meio de tanta melancolia eu sabia que em breve poderíamos observar imensas crianças a espalhar a sua felicidade num lugar dado como perdido.

   Eu sou como aquelas enormes árvores. Robusta e depenada.

   O meu pai levou consigo o meu orgulho e a minha vivência, deixando-me à mercê da insignificância.


demons + harryWhere stories live. Discover now