Capítulo quinze - O desespero da escuridão (Parte 2)

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A uma distância de cerca de dez metros, ele continuava a olhá-la atentamente, aguardando por alguma resposta. Em sua observação, constatou que Zaki estava certo na análise feita antes de separar aquele grupo abrindo fendas dimensionais: aquela guardiã não apenas era só uma garotinha, como também era cega.

Elion não pôde evitar se sentir menosprezado por ter sido ele o enviado para cuidar daquela guardiã. Já sabia porque Cyane tinha feito tal escolha: assim como a menina à sua frente, ele também era o mais jovem de seu grupo. Tinha apenas catorze anos, mas sabia que era mais capacitado do que muitos dos outros generais. A maioria deles eram apenas uns fracassados quando foram acolhidos por Cyane. Ao contrário dele, que tinha matado pela primeira vez aos cinco anos de idade. E simplesmente amava a sensação de tirar a vida de alguém.

No entanto, assim como todos os outros, Elion tinha uma dívida eterna com Cyane. Ela não apenas o salvara de um linchamento público quando a aldeia em que vivia descobriu que ele tinha sido o responsável pelas mortes dos pais e dos irmãos – na opinião dele, todos vermes que tiveram o que mereceram – como também fora a única que não o via como uma "criança-demônio", mas como um guerreiro com potencial, digno de compor a mais alta alçada do seu exército particular.

Cansado de aguardar por respostas, ele repetiu sua proposta:

— Cyane-sama decidiu que eu poderia poupar sua vida caso você me acompanhe até a barreira e volte para o seu mundo. Mas você precisa aceitar o acordo, ou terei que te matar.

Ling Su sabia que aquela sensação de pânico por causa da chuva, que ainda fazia suas mãos tremerem e o estômago revirar, tirava boa parte de suas chances em uma luta. Mas a coragem pareceu superar o medo e ela se levantou, respirou fundo e estufou o peito, dando sua resposta final:

— Eu não vou a lugar algum.

Elion riu.

— Hipoteticamente, suponhamos que eu te deixasse viver. Você simplesmente vai ficar encolhida em um buraco até a morte? Porque não há a menor chance de alguém como você se guiar pelo Mundo Youkai. Não conseguiria chegar ao castelo, muito menos voltar ao seu mundo. Apenas ficaria vagando por aí, até morrer de fome, sede, frio... ou atacada por algum outro youkai.

Era desesperador para Ling Su reconhecer que ele estava com a razão. Mas estava disposta a isso quando decidiu ir para aquele mundo. Afinal, não poderia contar em ter sempre um guardião a tiracolo como seu guia por ali.

Ela apanhou um dos nunchaku que trazia preso em sua cintura e o girou, antes de dar a sua resposta final:

— Já disse que não vou a lugar algum. Não faço acordos com monstros como você.

O youkai sorriu, com seus olhos negros brilhando de excitação. Aquela era a resposta que ele mais torcia para ouvir. Ele observou que a menina girava o nunchaku e começava a vir em sua direção, e achou graça, decidindo apenas observá-la. Porém, aos poucos o sorriso no rosto dele foi morrendo ao perceber que ela não era tão ruim assim... Na verdade, até que era boa para uma menininha humana e cega...

Observando um pouco melhor... Talvez ela fosse realmente boa. Mas sabia que aquilo ainda não seria o suficiente.

Ele deixou que ela iniciasse o combate, apenas desviando-se dos ataques. Quando a corrente do nunchaku o atingiu certeiramente no rosto, Elion recuou, concluindo que tinha cometido um erro ao menosprezar aquela humana. Cuspiu uma quantidade considerável de sangue, que foi ao chão junto a um dente.

— Sabe, garota? A última criatura que ousou me ferir não está mais viva para relatar a história.

Disposto a parar com aquela "brincadeira", Elion decidiu terminar aquilo de uma vez por todas. Ling Su já dava o primeiro passo na intenção de voltar a atacá-lo, quando parou ao sentir aquela forte concentração de uma energia que não era um mero youki. Sob a chuva forte que caía, poucos seriam capazes de ouvir os ruídos como o de fios desencapados prestes a iniciar um curto-circuito. Mas aquilo não escapou da audição aguçada da chinesa.

Elion uniu as mãos diante do peito e seu corpo inteiro começou a liberar pequenos raios elétricos, que foram se concentrando nas palmas de suas mãos. Estas se viraram em direção a Ling Su, disparando uma corrente elétrica contra ela. No entanto, a menina saltou para o lado, desviando-se no momento exato. Elion repetiu o gesto mais três vezes, e observou, perplexo, sua oponente conseguir escapar em todas as vezes.

— Mas como você... — ele começou a perguntar, mas foi interrompido pela rajada da energia de Capricórnio, que por muito pouco não o atingiu. Não porque ela tivesse errado o seu alvo, mas porque ele fora rápido o suficiente para escapar.

Ele pisou num galho seco, o que ocasionou um leve e, para ele, quase que imperceptível ruído. Porém, percebeu que tinha sido alto o suficiente para que a guardiã, mesmo que à distância, ouvisse e se guiasse pelo som para voltar a atacá-lo. Mais uma vez ele conseguiu se esquivar e fugir do ataque, mas sabia que em algum momento poderia vir a falhar e ser atingido.

Sentia-se péssimo em admitir isso, mas estava em meio a uma luta praticamente igualitária.

— Você não pode ser tão boa quanto eu... — rosnou, decidido a dar um jeito naquilo.

De dentro do peitoral de sua armadura, ele pegou um objeto cilíndrico que media pouco mais de sete centímetros de comprimento. Tratava-se de um instrumento de sopro, algo aparentemente inofensivo, mas que poderia ser uma arma mortal. Elion usara aquilo poucas vezes, apenas em batalhas contra youkais com audição sensível, ou para desnortear um grupo de oponentes. Mas aquela era uma ocasião em que a arma seria perfeita.

Ling Su já manifestava sua energia para dispará-la novamente, mas travou completamente logo que aquele som agudo chegou aos seus ouvidos. Após alguns instantes de inércia, ela levou as mãos aos ouvidos, tentando bloquear ou ao menos abafar um pouco daquele barulho ensurdecedor que causava-lhe uma dor que a fazia imaginar que houvessem facas perfurando seus tímpanos, atravessando sua cabeça de um lado a outro. Caiu de joelhos no chão, soltando um grito desesperado, não apenas de dor, mas também do pânico de se perceber completamente perdida, desnorteada e vulnerável. De repente, o som parou, mas a dor e a incapacidade de ouvir ainda durariam alguns minutos. Olhando sua oponente completamente desprotegida, Elion sorriu. Agora, sim, ele estava diante da imagem que mais satisfação lhe trazia. A ideia de uma luta justa não fazia parte de suas preferências. Era prazeroso ver-se em uma posição de superioridade diante do inimigo. Era assim, dessa forma suja e desleal, que ele gostava de lutar.

Sabia que o efeito de surdez duraria pouco tempo. Por isso, logo agiu: concentrou novamente uma poderosa corrente elétrica nas palmas das mãos e a disparou contra a guardiã.

Contudo, um vulto surgiu à frente dela no momento em que seria atingida, formando uma barreira que a protegeu daquele golpe. Elion, em contrapartida, foi atingido por um golpe de energia guardiã.

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Guardians II - MetamorfoseWaar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu