Capítulo XVI

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– A que horas voltas?

– Não sei; é natural que me demore.

– Até à noite, então.

À noite, quando voltei, queixava-se de uma indisposição. Repeliu-me ainda; só abracei um corpo convulso e gelado que me assustou; sobretudo quando, levando as mãos à cabeça, soltou um gemido plangente e doloroso.

Estava realmente doente; respeitei-a. Às nove horas, apesar de minhas instâncias para ficar velando-a na sua enfermidade, obrigou-me a sair, e disse-me adeus sem acrescentar, como tinha de costume: "Até amanhã".

Era também a primeira vez que a minha presença parecia contrariá-la. De manhã soube que o seu incômodo se agravara durante a noite. Achei instalada em sua casa, como enfermeira, uma tal Sra. Jesuína, mulher de cinquenta anos, seca e já encarquilhada, com quem embirrei solenemente desde o momento em que a vi. Essa insuportável criatura não deixava um momento a borda do leito; e quando alguma vez eu tomava as mãos de Lúcia, ou reclinava-me para ela, quando meus lábios iam roçar a flor de seu rosto, a Sra. Jesuína tinha sempre um remédio a dar, um travesseiro a endireitar, uma recomendação a fazer.

Um dia retirando-me, a velha acompanhou-me até a sala; aí no meio de biocos e gatimanhos, deu-me a entender que o médico proibira terminantemente à Lúcia o menor excesso, que lhe podia ser fatal.

– Mas qual é a moléstia de Lúcia?

– Não me recordo; esses nomes de medicina são tão esquisitos! A moléstia agora não vale nada; amanhã está de pé; e num mês pode ficar inteiramente boa. Somente nada de excesso!

A velha carregou na palavra, piscando os olhos pequeninos.

– Pode custar-lhe a vida! – acrescentou.

– Qual é o médico que trata dela?

– Um tal... Não me lembro agora. Mas é bom doutor.

– A que horas costuma vir?

– Não tem hora certa. Quando o senhor chegou, tinha saído.

– Onde mora?

– Nem sei! Ele disse; porém já me esqueci!

Desejava falar ao médico para saber com certeza o estado de Lúcia; não o consegui porém. No dia seguinte já encontrei Lúcia na sala, ainda abatida, mas sem sofrimento algum.

Decorreu uma semana. Lúcia tinha-se restabelecido completamente; continuávamos as nossas longas conversas de outrora, mas não a sós. A Sra. Jesuína ficara a título de caseira ou dama de companhia; encontrava-a invariavelmente repimpada numa cadeira de balanço, a dois passos de Lúcia, lendo uma coleção de novelas em que brilhavam Zaíra, e os Azares da fortuna. Se alguma vez Lúcia se levantava, a Sra. Jesuína atirava com um movimento da cabeça os óculos de tartaruga sobre a ponta do nariz, e seguia-a para lhe perguntar se queria um refresco, um banho, o jantar, a roupa para sair, ou qualquer outra coisa.

Afinal não me pude ter.

– Já estás boa, Lúcia; não precisas mais de enfermeira. Que faz aqui esta velha?

– Faz-me companhia. Vivo tão só!

– Outrora a minha companhia te bastava.

Não me respondeu.

– Manda-a embora!

– Não é possível; preciso dela, mesmo para o arranjo da casa.

– Bem; como eu não a posso suportar, não voltarei enquanto ela aqui estiver.

Lucíola (1862)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora