Seis

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Começo a correr rápido, muito rápido, até o fim do desfiladeiro.

 Está chovendo torrencialmente. E as pessoas morrem ali. Foi o que o cowboy me disse, não foi?

Mas eu olho para trás, e aquele homem continua vindo atrás de mim. Seus passos são rápidos, seu físico está em evidente vantagem se comparado ao meu. Eu devia ter ouvido Violeta sobre as aulas de defesa pessoal.

Estou ensopada e mal posso acreditar que há apenas algumas horas estava sobre uma cama quente, sob um cobertor macio, iludida a respeito da minha segurança até ser acordada por aquele hálito de ranço inconfundível.

Eu gritei por Saul, mas absolutamente ninguém respondeu. Não sei se foi incapaz de me ouvir ou se não quis se dar ao trabalho de conferir se eu estava bem, mas não tive tempo de sequer calçar os sapatos.

O caminho até aqui é longo, meus pés ardem das pedras cortantes que encontraram pelo trajeto, a pele do meu braço pela fissura de suas unhas ao tentarem me segurar. O sangue escorre por ele, e eu tento estancá-lo com uma das mãos, quando um solavanco me faz cair com o rosto em terra.

Ele me vira, em um só movimento, e posiciona o corpo sobre o meu. Segundos depois, o cano de sua arma em minha testa.

— Entregue para mim — sussurra ele, próximo ao meu ouvido. O peso de seus quadris me afundam ainda mais no barro.

— Eu... não... tenho... — sibilo entre soluços.

Shhhh — aquele pedido de silêncio me faz estremecer. Mas desta vez eu não paraliso. Sinto meus pés queimarem, meus ferimentos arderem ainda mais com a força da chuva que despenca sobre nós e, ainda assim, de alguma maneira, encontro energia para me debater. Para lutar contra ele. Para bradar em seu rosto:

— Eu não tenho!

Então eu sinto. O cano frio de sua arma cada vez mais pesado em minha pele. A coisa que mais me apavora no mundo.

— Eu juro... — minha voz sai agora mais fraca, quase uma súplica.

— Entregue. Agora. Ou eu acabo com você. Eu vou te dar um tiro... — A pressão naquele ponto aumenta. — Bem... — Posso imaginar a marca que deixará em meu rosto. — Aqui.

— N-n-não t-tenho.

É quando acontece. Eu ouço clique. Um estrondo. Então não ouço nada.


***


Sento-me sobre a cama em um só pulo. Meu coração está desenfreado, minha camisola ensopada.

Deus. Isso foi... foi inesperado.

Não sou capaz de me lembrar de quanto tempo faz desde que não tenho um sonho como esse. Não um tão real.

Tento convencer os meus pés de que são capazes de realizar o simples trabalho de alcançar o chão. O toque frio do piso é um alívio para sua dormência. Encaro-os, perplexa, apenas para ter certeza de que não estão realmente feridos.

Então tento respirar, duas, três vezes, contudo a estranha sensação de que aquele é um trabalho impossível não me abandona. Sinto como se apenas um fiapo de ar passasse por meus canais respiratórios, como se aquilo fosse se tornar nada em poucos instantes.

Só me resta caminhar para fora do quarto, ainda que não me preocupe em me calçar para cambalear até a primeira passagem para a sacada que consigo avistar no corredor.

Minha Vida Magnífica - DegustaçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora