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O fusquinha 1972 cortava a velha estrada, oferecendo todo o conforto que um fusquinha poderia oferecer. Jack olhava para aquele homem, dirigindo a 30 minutos, sem esboçar uma única palavra, e não entendia nada.

- Não entendo.

- O que, jovem?

- Você não ia me contar a sua história? Já estamos aqui há meia hora... Sei lá... E você nem começou ainda...

- Calma, moço. Você é desesperado assim pra tudo, é? Você tem cara daqueles que querem tudo no seu tempo, do seu jeito...

- É. Talvez você tenha razão. - respondeu Jack, como se aquele homem tivesse revelado um segredo seu.

- E digo mais - disse o homem, no volante - esse seu jeito de ser diz muito sobre a sua situação atual. Não é verdade?

- É. Você tem razão. - Jack suspirou, e começou a contar sua história - Faz dois anos que eu sai de casa. Tava de saco cheio daquela vidinha no interior. Meu pai é fazendeiro. Sabe, a fazenda Jeová?

- Ah... Você é um dos filhos do Jeová? Ele tem muitas terras aí pelo interior, né? Eu sei onde fica essa fazenda... Monte Canaã...

- Pois é. Bem... Na verdade, eu não sou mais um deles. Fui deserdado. Na verdade, quando completei dezoito anos, eu sai de casa, exigi parte da minha herança. Queria viver por minha conta. Na verdade, foi eu quem me deserdei...

- Qual era o problema de viver com o seu pai? Ele era ruim pra você?

Jack parou por um momento. Depois do silêncio reflexivo, respondeu:

- Não. Ele não era.

- Então?

- Acho que eu não queria viver preso. Não queria viver de mesada. Não queria viver a vida do meu pai, do meu avô, do meu bisavô...

- Queria o quê? Ser artista, é? - perguntou o velho.

- Isso mesmo! Sai de casa com dinheiro, um violão, e o sonho de ser cantor...

- E não deu certo.

- Como você sabe?

- Nunca ouvi falar de você em lugar nenhum...

- Pois é... - confessou Jack - mulheres, noites, bebidas, empresário oportunista, um menino de dezoito anos...

- Que acha que pode sair por ai, independente, viver longe do pai, ganhar a vida...

- Qual é o problema? - se irritou Jack - O cara não pode mais sair e viver a sua vida? Tem que viver ali... Aquela vidinha medíocre?

- O problema é justamente esse... Qual é o seu nome mesmo?

- Jack.

- Então Jack. O problema é justamente esse: damos valor às coisas mais medíocres que existem lá fora... E as coisas mais valiosas que temos aqui dentro, nós consideramos medíocres.

- Concordo, não...

- Concorda sim! Tanto concorda que você está voltando pra casa, senhor "Jack Going Back"...

- Jack Going Back... Deveria ter tentado esse nome. Teria dado certo. - o primeiro sorriso do jovem Jack em dias.

- O que acontece, jovem Jack, é o seguinte...

- O que acontece é o seguinte - interrompeu Jack, bruscamente - eu sai de casa pra tentar a vida fora, igual a um monte de gente. Sai, bebi que nem um louco, transei que nem um inconsequente, aquela mulherada e aquele monte de amigo só queria meu dinheiro. Todo mundo é seu amigo quando você é quem paga a cerveja, sabe? Dois empresários me passaram a perna, levaram meu dinheiro e eu não gravei uma música, sequer. Quando o dinheiro acabou, adivinha? Os amigos foram embora. Os caras para quem eu paguei cerveja e balada não quiseram me dar abrigo uma noitezinha... Me vi sozinho na cidade, sem amigo, sem estudo, sem pai e nem mãe. Faz um ano que eu tô vivendo de bicos por aí. Onde tem alguma coisa pra fazer, eu vou atrás. Já fiz de tudo na vida nesse tempo. Só que com a crise, nem bico mais tá aparecendo. Semana passada fui para o interior, participar de uma colheita... Fazer o quê? É o que tinha. Cheguei lá tarde, não tinha mais nada. Mano, tava com tanta fome que já tava a ponto de comer a comida dos porcos. Foi aí que eu pensei: vou voltar pra casa do meu pai. Se ele me aceitar como um empregado lá, tá bom. Pelo menos não passo fome, não é? Vou voltar com o rabo entre as pernas, o chato do meu irmão vai vir com aquela história de "eu disse...". E meu pai? Nem sei se vai me aceitar, afinal né... Pisei na bola. Essa é a história da minha vida desgraçada! Não tem "filosofiazinha de buteco", não! Eu sai, me ferrei, e agora to voltando com rabo entre as pernas. É isso. Você não sabe o que é isso! Você não sabe o que é orgulho ferido. Você não sabe o que é dar o braço a torcer, sem nem saber se alguém vai te dar um prato de comida depois. Você não sabe o que ter que escolher entre voltar pra casa e ouvir aquela ladainha toda ou ficar passando fome na rua. Você não sabe nada, é isso! - Jack vomitou todas as palavras que estavam em sua garganta de uma vez só.

O silêncio foi o que imperou naquele carro por quase uma hora, depois do desabafo amargurado do Jack. O único barulho que se ouvia era o do motorzinho barulhento do fusquinha.

- Orgulho - disse o velho homem, suspirando - você é que não sabe o que é orgulho ferido, menino. Você é que não sabe de nada..

- O quê? Vai me dar lição de moral agora?

- Não. Só acho que ainda não cumprimos o nosso trato.

- Que trato?

- Você não pagou meus dois reais e nem ouviu a minha história, seu Jack Going Back.

Jack Going BackWhere stories live. Discover now