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Jack achara que a lição de moral do seu novo companheiro seria algo a incomodar. Mas o que incomodou muito mais foram as duas horas de silêncio que prosseguiram. Jack estava angustiado. Sabia que tinha errado feio e decepcionado seu pai, e sabia que o jeito era voltar, mesmo. Mas o problema era o seu orgulho que não o deixava aceitar a ideia de voltar, confessar erro, pedir perdão... Aliás, ele encontraria perdão ainda? Quem poderia garantir isso? Jack sonhou por muitas noites com a vez que voltaria para casa bem sucedido, e diria a todos que ele estava certo. Mas não foi assim... Jack voltaria sujo, barbudo, pobre, faminto...

- Você não vai me contar a sua história? - Jack, inquieto com o silêncio.

- Resolveu, foi? - o velho abriu um sorriso

- Eu não.. É que...

- E que você é muito orgulhoso pra confessar que está interessado, não é?

- É que você fica quieto aí. Disse que ia falar mas não fala... - reclamou Jack.

- É que eu aprendi a esperar, sabe? Invés de ficar insistindo que a pessoa faça a coisa certa, eu aprendi a esperar tudo se encaixar no lugar. Normalmente dá certo, como agora.

Jack percebeu que tinha caído na armadilha do velho. Antes não estava afim da filosofia de botequim, agora estava louco pra conhecer a história.

- Sabe, rapaz - o velho resolveu quebrar o silêncio - Você sabia que existe orgulho dos dois lados?

- Não entendi...

- Você está aí carregando seu orgulho em confessar que errou. Talvez do outro lado exista um pai que também está tendo que abrir mão do orgulho para aceitar o filho rebelde.

- Só o que faltava...

- Não. É sério. Eu digo por mim...

- Seu filho te largou também?

- Minha mulher.

E o desinteressado Jack agora resolveu prestar atenção na história.

- Quando casei com minha esposa, todo mundo me disse que ela não era flor que se cheirava, sabe? Dito e feito: peguei ela na nossa cama com outro. Nosso primeiro filho ainda tinha seis meses. Ela saiu de casa... Voltou dois anos depois. Dias depois, disse que estava grávida...

- E era seu mesmo? - deixou escapar Jack, é só depois percebeu a gafe... - Quer dizer? Eh..  Desculpa! Não quis..

- Tudo bem, tudo bem... Até hoje eu tenho essa dúvida na cabeça. Na verdade, depois dessa gravidez, ainda teve mais uma, antes de ela sair de casa definitivamente. E se você perguntar se meus três filhos são meus... Enfim, como posso garantir?

- Nossa, mas... Você voltou com ela mesmo depois da traição? - perguntou Jack, impressionado com a passividade do velho.

- Nessas idas e vindas, foram 4 separações, no total. Sempre pelo mesmo motivo: infidelidade. Por duas vezes eu consegui provar. Mas ela nunca me passou confiança, sabe? Sempre tinha uma amigo, sempre ouvia um comentário.. Enfim..

- E agora vocês estão separados...

- Há 3 anos. Faz duas semanas que ela me liga todos os dias, depois de mais de um ano sem nos falarmos. Ela quer voltar...

- Não acredito que você vai ser besta de aceitar de novo... - Jack e sua segunda gafe consecutiva. Quando gestuculou pra se desculpar mais uma vez, foi interrompido:

- Calma, fica em paz. Essa é a pergunta que eu me faço todos os dias. Tá vendo? Não é só você que tem dilemas. Não é só você que não sabe que decisão tomar.

- Eu não teria essa paciência. - confessou Jack, inconformado.

- Mas, por que não?

- Sei lá... Ela traiu sua confiança. Não merece outra chance...

- Você traiu a confiança do seu pai... Não merece outra chance também.

- É diferente...

- Não é! - interrompeu o homem - Não interessa se é pai, marido ou sócio, sabe? Traição é traição. Você confia na pessoa... Você se doa... E depois descobre que ela só estava com você por comodidade. E então essa pessoa te larga por comodidade, também.

Jack sentiu as palavras daquele homem como um soco no seu estômago. Como ele poderia ter sido tão egoísta? A verdade foi essa mesmo. Jack tomou suas próprias decisões sem pensar no seu pai.

- Mas não se preocupe - o velho prosseguiu, interrompendo os pensamentos se Jack - todos somos assim.

- Como assim? Você também é? - perguntou Jack, surpreso.

- Sim. - disse o homem, com naturalidade - Sabe, Deus me fez entender que eu também sou assim. Na verdade, todos somos. Eu também o larguei muitas vezes. Eu também o larguei por pura comodidade. Todos nós o largamos..

- Deus... - disse Jack, que não estava a fim de sermão religioso.

- Isso mesmo. Deus! Ele, que criou os céus, a terra, e tudo mais o que há. E nos deu tudo de graça. Nos deu a vida. E nós o largamos sempre que achamos que podemos alcançar algo longe dele, dos seus preceitos. Quantas vezes eu fiz isso? Na verdade, não sou tão diferente de você, nem da minha mulher. Somos todos traídores! Somos todos Adão. Todos nós mordemos da maça... todos os dias, rapaz!

O velho fusquinha cortava a madrugada e já ia de encontro ao amanhecer, e as palavras daquele homem martelavam na cabeça de Jack, que nunca se sentiu tão mesquinho, tão pequeno. Por causa de um sonho bobo, magoou seu pai, desprezou sua terra. Por causa de um sonho bobo não! Na verdade, foi só ali que Jack teve coragem de confessar a si mesmo que essa história de ser artista, no fundo, não passou de um pretexto para querer viver sua vida longe das ordenanças do pai. Em silencio, olhando pela janela, Jack não via a paisagem da beira da estrada, mas sim o filme de sua vida: a infância, a adolescência, os planos do pai em entregar tudo, com todo o prazer aos seus filhos. Jack também viu seu irmão, sempre orgulhoso das suas próprias obras e de tudo o que fazia na fazenda, e se lembrou de como se sentia diminuido por nunca fazer da mesma forma, com a mesma qualidade, com a mesma vontade. Mas o pai nunca cobrava nada a mais de Jack, ou nunca o rebaixava. Os presentes e as mesadas eram sempre por igual. Só então Jack entendeu que o pai sempre lhe deu tudo de graça. O pai o amava, e por isso não fazia acepção. Na verdade, o pai amava seus filhos não pelas obras que eles faziam, ou não faziam, mas sim porque ele os amava. Era de graça.

De repente, bateu uma angustia do tamanho da vida em Jack. Ele queria voltar o mais rápido possivel para casa e pedir perdão para o pai. Abraça-lo forte e confessar toda o seu pensamento mesquinho.

- Sabe - Disse Jack, atropelando as palavras - e preciso voltar pra casa... eu preciso... tipo... agora... por que...

- Ei - interrompeu o velho, com um sorriso no rosto - quando você diz casa, você está se referindo àquela ali?

Jack Going BackМесто, где живут истории. Откройте их для себя