O saxofonista

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Dedicado à @DecoSampaio
Inspirado no livro "o outro no espelho"

Era uma vez um saxofonista com defeito na memória. Porém, não havia esquecido uma só nota, sua lembrança, no entanto, era uma melodia triste e remota de um passado distante e inexistente. Como poderia tocar seu instrumento tão eximiamente e não lembrar seu próprio nome? Até seu rosto parecia obtuso, estranho. Ah! Mas as notas... Essas eram suas antigas conhecidas! Soavam pura poesia, enfileiradas em uma linha melódica que acabara de criar e que compunha nesse vazio de não se conhecer. Apesar de sua desmemória, ainda tinha a mesma caligrafia corrida, confusa e indecifrável que mais lembravam garatujas! Esse era o único mundo que ainda vivia em sua memória, quem sabe o que se perdeu em sua mente, nesse emaranhado de desmemórias intermitentemente fugidias, fosse doloroso demais para vir à tona. Certamente por isso, seu passado permaneceu guardado por mil senhas do seu inalcançável inconsciente. Defeito? Talvez. Mas, era esse defeito que o tornava tão perfeito, profundo e melancólico  estrumentista. Era difícil de fato, assinar seu autógrafo à uma meia dúzia de fãs, posto que, apenas se intitulava "o saxofonista", pois era essa sua única conexão com o passado. Embora parecesse estar preso a essa agonia de não lembrar, quando pegava seu instrumento e colocava-se a soprar, fazendo-lhe sutilmente cócegas com os dedos para tirar-lhes as sublimes notas, precisas, suaves e em bom tom, era impossível apontar qualquer defeito. Era nesse frenesi musical que ele se libertava, se bastava e se reconhecia apenas como: 
         O saxofonista.

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