Capítulo 03

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No entardecer do décimo dia desde a minha chegada àquele vilarejo, precisei sair da presença de Júlia e sofrer com pensamentos horrorosos de ansiedade porque precisava verificar algo muito importante um tanto quanto longe dali.

Na floresta, a uns 500 metros de distância da casa de Marcos, eu escondi meu maior tesouro pós-apocalíptico, um fuzil de assalto AK-47, embaixo de um tronco oco, em um barranco cheio de folhas secas. Sou um estúpido, sim, em muitos sentidos, mas ao menos em uma coisa eu tive precaução antes de decidir.

Entrar naquele vilarejo e implorar por ajuda, arriscando a minha vida e a de Júlia num encontro com desconhecidos, era tudo o que me restava. Na ocasião, eu tinha duas armas: o AK-47 e uma pistola TH40. O fuzil era assustador, é claro, mas uma pistola... Um adolescente e uma criança de sete anos perdidos na floresta com uma pistola, depois de tantos rumores de que o mundo tinha virado um caos, parecia-me mais aceitável. De outro modo, até aquele dia ainda me parecia mais seguro manter o fuzil e suas munições escondidas onde só eu sabia, para o caso de emergências — que eu sabia que iam acontecer muito em breve.

Não me pergunte como.

Acho que chegou a hora de contar como tudo isso começou.

Estou fazendo a porra de um livro. Pra que? Claro que não sei. Registrar, pela minha experiência, a maior crise que a humanidade já viu me parece um bom motivo, mas não sei se é mesmo isso... Pode ser que alguém leia isso um dia, um nascido depois do fim — se sobrarem humanos para fazerem bebês e os bebês sobreviverem em plena invasão alienígena —, ou mesmo algum outro sobrevivente quando eu acabar perdendo esse caderno aqui. Ou um alienígena.

Para o caso de você ser um alienígena e de alguma forma conseguir ler isso, vá se foder.

Tudo começou, por infortúnio do acaso, no dia do meu aniversário, 07 de março, uma segunda-feira. (O ano é 2016). Mas não estava mesmo sendo um aniversário dos mais incríveis. Era, na verdade, um dia absolutamente comum (exceto que eu não tinha ido pra escola pela manhã). Um dia bem quente, para descrever bem os fatos. Acho que fazia uns 36°C na capital paulista. Começava a semana e todo mundo, incluindo minha mãe, tinha ido trabalhar. Ela era advogada. Trabalhava em um escritório na Vila Olímpia. Nós morávamos em um apartamento no Ibirapuera. Por ser meu aniversário, eu tinha o direito de faltar na escola, mas decidi ir na parte da tarde, pois estava sendo mesmo um dia qualquer, afinal de contas.

Ele não ligou. Ele sempre ligava. Desde a separação dos meus pais, e depois de uma viagem que fiz com ele para a sua terra, a única ocasião em que eu escutava a voz do meu pai, e (raríssimas vezes) recebia seu abraço, era no dia do meu aniversário. Mas dessa vez ele nem sequer ligou. No ano passado ele também se esqueceu. Ligou quatro dias depois pra me perguntar o que eu queria de presente. Pedi um PlayStation novo, já que o meu era velho. Ele me deu e eu fingi que isso era mesmo o que eu queria dele.

Júlia também tinha usufruído do meu direito de faltar na escola no dia do meu aniversário e estava comigo em casa, mas quando eu avisei que iria para a escola no período da tarde, que nossa mãe estava vindo para nos levar, ela teve de ir se arrumar.

Acho que já fazia umas duas semanas desde que tinham começado os rumores e o compartilhamento de notícias ( chamadas de falsas primeiramente) sobre uma nova doença infecciosa pelos lados da China. Falava-se de muita coisa, e eram assustadores alguns vídeos (gravados por celulares da pior qualidade, como sempre) espalhados pela internet de pessoas agindo com comportamento estranho, agressivo e irracional. Estava prestes a começar uma nova onda apocalíptica que não saíria dos comentários, curtidas e visualizações em todo tipo de canal da internet, assim os mais sensatos esperavam.

Estavam enganados, todos eles.

Ouvi duas versões sobre essa história. A primeira delas dizia que a "doença" era causada por uma droga chamada Krokodil. Não vou dizer que tive tempo de formar uma opinião sobre isso, eu só pesquisei e... esqueci. Não era problema meu. A segunda falava sobre infecção por um vírus de propagação aérea, o que explicava a rapidez de contaminação em lugares fora da China, como Rússia, Coreia do Sul e Japão. Essa segunda pareceu mais convincente, e provavelmente deve ser a versão verdadeira. Não que eu ache que um dia vá saber a verdade.

IMUNE | A Teia Do Fim | Livro IWhere stories live. Discover now