Apenas percebi que encarava sua pasta sem parar quando o homem me olhou com cara de poucos amigos. Obriguei-me a prestar atenção ao café que já estava pela metade e as migalhas que restaram do bolo de baunilha.

Terminei minha bebida e deixei o dinheiro ao lado da xícara. Quando já estava na porta olhei para Henri e acenei discretamente.

A temperatura havia caído mais um pouco, e me arrependi amargamente por não ter pegado um casaco quando sai. Andei o mais rápido que podia sem parecer uma desmiolada e quando cheguei em casa fui rapidamente em direção ao banheiro para esfriar a mente e esquentar o corpo.


 ♪♪♪ 


O frio era agradável, mas um empecilho. Minhas mãos congelavam e tocar piano era um pouco doloroso, tornando tudo mais difícil, fazendo-me perder tempo, deixando-me desesperada. Não havia muito que fazer, meu estimado aquecedor havia quebrado poucas horas atrás e minha casa estava se tornando um verdadeiro iglu. Um iglu inabitável para ser mais exata.

Inspirei profundamente e fui até a cozinha procurar algo quente para ingerir, porém não tive sucesso. Pelo visto esqueci de fazer compras nos últimos dias (ou semanas) e não havia absolutamente nada. Era como o som no espaço, era o vácuo.

Pensei seriamente em sair para comprar algo, mas não queria sentir o vento gélido em meu rosto de novo. E ninguém morre se ficar uma noite sem comer, certo?

Voltei para perto de meu grande, velho e lustroso amigo: o piano. Afinal, existe companhia melhor do que a música? Provavelmente não, poderia ficar horas e horas filosofando sobre o quão esplendoroso é o seu poder e sua influência, entretanto, o toque de meu celular interrompeu minha linha de pensamento. Olhei para o visor antes de atender, para ter certeza de quem era e assim que atendi a ligação uma voz aguda explodiu na minha cabeça:

— Graças ao bom Mozart você finalmente me atendeu! — gritou Arabesque aliviada.

— Finalmente? Você nem sequer me ligou o dia inteiro! — exclamei confusa.

— Olhe seu histórico depois e comprove. Enfim, precisamos ensaiar juntas urgentemente! Faltam exatos trinta e sete dias, nove horas, dez minutos e quarenta e dois segundos! Digo quarenta e um, não quer dizer trinta e nove, trinta e seis... Argh! Os segundos passam muito rápido!

— Ara, você é mesmo bem idiota — comecei a rir.

— "Se eu decidir ser um idiota, serei um idiota com acorde próprio!" — ela imitou uma voz grave, como se Bach falasse daquele jeito. — As melhores pessoas são as que conseguem arrancar uma risada de alguém, Lyra. E elas são chamadas de idiotas por pessoas como você — ela ria tanto quanto eu agora.

Arabesque sempre fazia bobagens desse estilo, desde que éramos crianças. E talvez esse seu jeito brincalhão e ao mesmo tempo fofo fez com que ela se tornasse minha melhor amiga. Entretanto essa baixinha tinha certo talento para me importunar e pedir favores.

— Mas sobre o ensaio, Ara... — comecei, mas logo fui cortada.

— Poderíamos ensaiar amanhã depois das aulas que tal?

— Então está decidido. Nos encontramos na cafeteria de sempre?

— Sim! Vamos nos esforçar! — ela deu um gritinho, depois falou algo longe do microfone que não consegui entender. — Preciso ir agora, Lyra! Até amanhã!

— Até, Ara! — me despedi encerrando a ligação.

Olhei brevemente o horário no visor, já estava tarde e eu precisava dormir, caso contrário, acordaria com dois lindos círculos escuros em baixo dos olhos.

Mozart Terminou ComigoWhere stories live. Discover now