Encaro o cadáver como se ele fosse conversar comigo.

— Por quê? — Estava realmente falando sozinho.

Sinto a dor na minha cabeça e o cadáver sorri lentamente para mim. As cores a volta vão se transformando em vermelho e então preto. Estava acontecendo de novo. Iria para alguma lembrança que me deixaria mais apavorado e confuso ainda. Isso era ótimo. Então volto a mim e estou em ambiente aberto. Vejo as árvores, o céu azul e um muro em volta. Há também várias lápides em todo lugar.

Agora estou em um funeral.

Era de alguém importante por que estou sentindo as lágrimas descerem do meu rosto. O primeiro caixão já foi enterrado e o segundo está descendo neste segundo. Eu não consigo ler os nomes nas lápides e quanto mais eu tento mais fica borrado.

Não tem ninguém neste lugar só eu e o homem que está descendo o caixão para o buraco mais fundo que eu tinha visto na vida. Não consigo ver o rosto do homem por causa do caixão que está na minha frente. Ele está vestindo um terno preto tradicional muito bonito e é um pouco alto. Ou talvez eu seja uma pessoa baixa.

O caixão desce e eu fico encarando como se ele fosse abrir, mas nada acontece. Ele parece mais escuro como se estivesse sido banhado em sangue antes de enterrar. O sangue teria que ser bem escuro como se estivesse podre o lugar onde se encontrava.

O homem se aproxima de mim eu escuto seus passos, mas não olho para ele. Eu sinto um medo intenso de que o cadáver saia e me puxe para dentro do buraco. Então vejo o caixão se abrir e alguns dedos saírem. Levo um susto quando o homem coloca sua mão no meu ombro. Eu olho para seus dedos e depois para o caixão. Os dedos sumiram do caixão. Isso não devia me aliviar.

— Vai ficar tudo bem. — Ele sussurra e eu olho para ele.

Meus olhos se perdem de medo. Ele não tem olhos, boca, nariz, ele não possui rosto. Minha espinha me dá uma sensação horrível. Mesmo sem olhos eu sinto que ele estava me encarando. Seu rosto começa a criar forma. Vejo os ossos moldando um rosto. Alguns buracos abrem onde devia ficar olhos e então eu o escuto gritando de dor. Seus olhos então saem do buraco e onde ficaria a boca começa a rasgar e eu vejo duas fileiras de dentes em cima e embaixo. Como se fosse uma criatura.

Com uma dentada no meio da minha cara tudo fica escuro e aos poucos a cor volta. Estou olhando para o cadáver fixamente como se estivesse olhando suas pupilas. Ele também me encara e isso me arrepia. O cadáver parece estar sorrindo.

Estou enlouquecendo aqui. Preciso de ar. Levanto e corro para as janelas do apartamento e quando eu tento abrir ela está emperrada. Ainda sinto um aperto no meu peito e preciso respirar. Fico vagando pela cozinha e pego um copo de água. Isso ajuda. No impulso eu olho o relógio para saber quanto tempo falta.

4 minutos. Tenho menos de quatro minutos.

A qualquer momento a polícia pode bater na minha porta. Já faz mais ou menos 6 minutos que acordei e o que eu diria para eles se me perguntassem de tudo isso? Não sei o que aconteceu aqui? Isso seria loucura. Preciso criar coragem para fazer alguma coisa mesmo que seja uma loucura.

— Pense.

Por algum motivo irracional eu penso apenas sair pela porta correndo por aí sem que a polícia suspeite de algo. Talvez fosse loucura, mas já tinha entrado nesta enrascada e agora não tinha volta. Eu precisava sair deste lugar o quanto antes.

Primeiro tenho que tirar a camiseta se quero sair deste lugar horrível. Vou ao banheiro e fico encarando o chão assim que abro a porta. Nenhum rato voa no meu rosto para arrancar meus olhos e come-los crus. Meu medo se alivia, mas uma sensação estranha sobe meu estômago e bate na boca da minha garganta.

10 minutosWhere stories live. Discover now