-Eu sei Capitã, mas é que o prisioneiro...

Eu me levantei. Ele tinha que continuar vivo, pelo menos até me fazer perder a paciência, senão não valeria nada tê-lo na embarcação. Não que valesse de alguma coisa agora, mas nunca se sabe.

-O que tem ele?

-Ele... – ela hesitou.

-Fale logo!

-Ele não quer ficar parado, capitã! – ela disse de uma vez.

-Como assim?

-Ele está se jogando contra as laterais da cela. Pode-se escutar do convés.

Eu contornei minha mesa. Se ele quisesse continuar vivo ele podia pelo menos manter o navio inteiro. Não é?

-Me leve até ele.

Eu saí da minha cabine a passos largos enquanto a outra corria na minha frente, obviamente tentando cobrir a mesma distância que eu. Ela não era muito alta, mas era forte o suficiente para me segurar caso eu perdesse o controle e pulasse na garganta dele. Após um tempo resolvi dispensá-la, porque com certeza haviam guardas suficientes na cela. Em poucos minutos eu estava na área mais inferior do navio, onde ficavam os prisioneiros e a carga. Um som abafado vinha do fundo. Eu praticamente corri até lá. Uma voz masculina podia ser ouvida.

-Tirem-me daqui! Vocês vão se arrepender por isso! – e um baque surdo de um corpo se chocando com algo.

As duas mulheres que estavam de guarda na porta da cela se endireitaram com a minha presença.

-Capitã. – disseram em uníssono.

-Abram a cela. – eu ordenei amargamente.

-Mas...

-Eu mandei abri-la! – eu gritei para as guardas. Elas se entreolharam e assentiram. Uma delas – Madeleine era o nome dela, uma jovem de cabelos pretos – se virou e girou a chave na tranca. Eu entrei e o homem se lançou em minha direção. As guardas rapidamente trancaram a porta da cela.

Seu rosto ficou a centímetros do meu. Nesses segundos, eu pude ver todo o seu rosto. Bom, sendo honesta, não dava para ver muito: ele tinha cabelos castanhos desgrenhados e duros por conta do sal, e uma barba castanha que cobria a maior parte do seu rosto, dando-lhe uma aparência animalesca. A única coisa distinguível eram seus olhos de um azul profundo e o nariz reto; sua boca estava encoberta pela barba, e ele rosnava de raiva por estar amarrado a uma viga de madeira – por isso ele não chegou tão perto de mim – e pelo que aparentava era mais alto que eu e pior: nobre pela roupa que usava, se você ignorasse a sujeira e o estado da vestimenta. Ele caiu de joelhos na minha frente. A aba do meu chapéu produzia uma sombra em volta de mim, impossibilitando-o de ver meu rosto. Ele ergueu a face na minha direção.

-Mostre seu rosto, desgraçado! Assim quando eu for salvo te caçarão por todos os mares, pirata desgraçado!

Fiz uma pequena mesura enquanto continha meu riso. O idiota achava que eu era homem!

-Como queira. – e retirei meu chapéu. Meus cabelos curtos, vermelhos e queimados do Sol caíram em camadas até a altura do meu queixo. Eu o encarei e sua expressão era a mais revigorante possível: assombro e perplexidade.

-Como... O quê... Mas você é... – sua voz minguou na última palavra.

-Uma mulher? – eu completei – Surpreso? Você foi vencido por mulheres! Agora... – comecei a percorrer a cela – Eu tenho uma regra clara aqui: homens não são permitidos. O que faremos com você então? – eu recoloquei meu chapéu. – Eu estou com poucas pessoas para limpar meu navio... – eu sorri maleficamente em sua direção – você vai servir perfeitamente para o serviço até que sirva para algo melhor. Vai limpar do convés até a parte mais inferior do navio, excluindo minha cabine, estou me fazendo clara?

BlackwaterWhere stories live. Discover now