-Olhem! Tem alguma coisa na água! – gritou uma das mulheres da amurada que olhava pela luneta.
-Capitã? Quais são as ordens? – disse Beatrice.
Eu olhei em direção ao local indicado pela mulher e onde um pequeno grupo se aglomerava para olhar. Somente um ponto preto à distância, levado pela maré.
-Capitã?
-Tragam-no aqui. O que quer que seja aquilo pode ser útil para nós. – Eu lancei um olhar conspiratório para minha imediata. Ela riu.
-Claro. – ela virou em direção ao convés e começou a gritar ordens para as mulheres abaixo. Eu apenas olhava o mar. Tão calmo às vezes, tão perigoso em outras. Eu sorri diante desse pensamento. Não era à toa que eu havia me tornado pirata. Minha timoneira controlava o leme. Velas foram arriadas para que nós pudéssemos diminuir a velocidade. O ponto se aproximava cada vez mais e eu vi um casaco escuro, encharcado com a água. Um corpo. Agitação no convés, todas as demais mulheres – ou pelo menos, as mais novas da tripulação – correram para a amurada para ver o náufrago ou náufraga se aproximando.
Quando a nau chegou perto o suficiente, lançamos uma escada e Emily, minha mestre de armas, desceu para apanhar o corpo, colocando-o por sobre o ombro e carregando-o caminho acima. Ela era uma mulher diminuta, com cabelos pretos curtos como os de um homem, e olhos negros. Seu rosto era cheio de marcas de cicatrizes, não apenas da época em que pegara doença, mas também de quando era casada e apanhava constantemente de seu marido. Eu a recrutara quando atracara em Callais, na França, e ela usava um vestido com manchas de sangue. Nunca a perguntei de quem era aquele sangue; algumas coisas é melhor não saber.
Assim que tocou a madeira do convés, Emily jogou o corpo no chão com desdém e me chamou. Eu desci e andei em direção ao círculo de mulheres que se formavam em torno do corpo. Elas abriram caminho para eu passar e me agachei, segurando a bile que subiu quando o cheiro de fezes de pássaro, água salgada e sangue misturados atingiram minhas narinas. Levantei uma parte do cabelo para ver quem era, temendo que fosse o que eu imaginava ser. Homem. Afastei-me, ainda me mantendo agachada, com nojo do corpo e raiva. Com mil raios! De todas as coisas dos sete mares, tinha de ser um homem. Ele emitiu um som abafado e eu levantei bruscamente. E ainda vive?! É vaso ruim mesmo.
-Ele está acordando. Levem-no para uma cela qualquer. Se eu vê-lo na minha frente, alguém vai parar na próxima ilha!
Todas as mulheres que estavam no círculo se dispersaram rapidamente e duas o arrastaram para o interior do navio. Beatrice continuou parada.
-Capitã, não acha melhor levá-lo até a Doc? Eu vi um ferimento no seu ombro.
Eu me virei para olhar a imediata.
-Se ele morrer vai ser melhor. Me livro dele mais cedo.
-Blackwater! – disse Beatrice, horrorizada, a mão morena indo em direção a boca. – Não acho que você seja tão sem coração assim.
Eu olhei-a friamente. Como ela era inocente! Eu a conhecia há tantos anos, mas ela não tinha mudado nada, ainda acreditava que eu algum dia voltaria a confiar no sexo oposto.
-Não duvide.
Ao longe eu escutava os gritos do homem que aparentemente havia acordado por completo.
-Soltem-me! Como ousam tocar-me com essas mãos imundas?! Vocês sabem quem eu sou?!
Eu e Beatrice estávamos próximas do leme. Eu revirei os olhos e pousei minha mão gentilmente no coldre de minha arma. A mestra de armas torceu o rosto numa careta. Pelo visto, ela não gostava da presença dele tanto quanto eu.
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Blackwater
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