Capítulo 2

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O centro cirúrgico estava uma loucura. Um ônibus de estudantes havia se chocado com um caminhão na estrada que dava acesso à cidade e, agora, o saguão do hospital estava lotado de mães desesperadas e as salas de cirurgia lotadas de adolescentes quebrados.

Eu estava no pronto atendimento fazendo um curativo em um garoto que devia ter aproximadamente uns dezessete anos enquanto ele me contava que não se lembrava como tinha ido parar ali.

- Você parece ter tido uma concussão. Vamos fazer todos os exames necessários para saber se foi apenas isso. 

Ele balançou a cabeça com o topo enfaixado de forma afirmativa.

Pedi que monitorassem ele, que fizessem uma ressonância e que ele ficasse calmo.

Quando terminei com ele, com tudo encaminhado, saí dali o mais rápido que pude para poder buscar mais algum paciente que estivesse necessitando de cuidados quando, de repente, entre adolescentes, pais desesperados, enfermeiras correndo e mais um monte de gente que não categorizei, avistei Carter Nickson.

Eu arregalei os olhos e chacoalhei a cabeça piscando repetidas vezes diante da imagem que eu via. Mas era ele mesmo. Os cabelos extremamente loiros repartidos no meio emoldurando o rosto, uma calça jeans larga de cor clara e uma camisa de algum time americano. As pessoas corriam a sua volta enquanto seu rosto jovial de dezesseis anos me olhava sorrindo.

Sorrindo em meio ao mais completo caos!

Minha mente soou o sinal de alerta.

Carter Nickson não tem mais dezesseis anos!

Ergui meu rosto para cima para fazer as contas nos dedos quando os paramédicos entraram com uma garota com a supracitada idade e com algo enfiado na cabeça.

Olhei novamente na direção em que Carter estava momentos antes e ele não estava mais lá. Então sai em disparada para atender a menina.

Os paramédicos me atualizaram da situação enquanto eu pedia uma sala de cirurgia urgentemente para operar a garota que estava inconsciente.

Enquanto a preparavam, fiz meu ritual de sempre de alongamento. Começando pela cabeça, depois os ombros, braços, mãos enquanto dava uns pulinhos.

Estava tudo pronto. Seria uma cirurgia longa pelo que pude perceber. Mandei colocarem minha música favorita do The Odds para tocar.

- Não vai ser Elvis Presley hoje? – quis saber o anestesista.

- Hoje não. Hoje eu quero ouvir a voz do Heaven Strike.

- Mais um amor pra tua lista interminável? – perguntou a residente.

- Mais um... Stay up all night... – cantarolei de forma abafada através da máscara, junto com o vocalista. – Mas esse já é caso antigo.

Era um som que não era muito leve, mas me mantinha acordada e bem disposta para tantas horas de concentração sobre meus pés. A equipe já estava acostumada e parecia gostar.

Oito horas já tinham se passado quando eu dei a primeira grampeada para fechar o ferimento na cabeça. Respirei aliviada por parecer estar tudo bem depois de tanta tensão.

- Termina para mim, Jéssica? – pedi para a residente mais capacitada. – Estou com cãibras nos pés.

Eu teria que esperar a menina acordar para ver se haveria seqüela. Estava pensando no milagre que teria que acontecer para que ela estivesse com todas as funções motoras intactas, e eu tinha bastante fé ao contrário de boa parte dos meu colegas. Sempre me perguntei como alguém podia não ter um resquício que fosse de fé, vendo tantas impossibilidades se tornando possibilidades todos os dias diante dos nossos olhos. Me parece sempre muita prepotência julgar que meus dedos são os únicos responsáveis por tantas "mágicas". Claro que eu estudei uma eternidade para virar "mágica", mas em alguns dias, as esperanças acabavam, a força também, e ainda assim, nossos dedos continuavam a operar e bum! Dava certo.

AlucinanteWhere stories live. Discover now