Parte 1 - Rio de vinho

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      Baviera, segunda metade do século XIX, sul da atual Alemanha.

      As crianças corriam e se divertiam ao sol aproveitando o clima particularmente ameno daquele final de outono. Com brincadeiras livres e corridas espaçadas haviam ingressado em uma parte proibida da propriedade de seu pai, Herr Welser.

 A restrição ao local se deu após o episódio dos gansos bêbados, ocorrido cerca de um ano antes. Na ocasião, as crianças haviam permitido, ou até incentivado, que os gansos da propriedade entrassem na área destinada à produção de vinho. Uma pequena produção de vinho tinto cujo único propósito era o de suprir o consumo pessoal, já que Herr Welser desafiava todas as dificuldades de se produzir esse tipo de bebida em uma região pouco propícia para tal. Os gansos, naquele dia, entraram no local em que haviam sido deixados os bagaços de cascas de uva retirados do mosto que fermentara o vinho. Claro que eram cascas alcoólicas, e os gansos, ao ingeri-las, saíram bêbados se espalhando pela propriedade; invadindo locais pouco apropriados para eles e dando muito trabalho aos funcionários no intuito de recolhê-los e devolvê-los para as margens do lago.

      As oito crianças foram proibidas, desde então, de irem àquele local. Mas os meses foram passando, nevou, choveu, fez sol, gansos estavam longe, e os motivos da proibição foram aos poucos sendo esquecidos e desconsiderados, de maneira que um ano depois já estavam todos em aventuras por ali.

      Herr Welser acreditava que aprimorava seu vinho a cada safra. Sendo muito inteligente e recebendo orientações de um especialista, andava, nos últimos tempos, produzindo vinhos que impressionavam seus convidados, e esse ano, em especial, obteve uma excelente colheita de uvas de amadurecimento tardio. As belas uvas foram preparadas, esmagadas e colocadas para fermentar em um grande tanque de madeira em local apropriado na adega de um anexo construído um pouco afastado da propriedade. O mesmo local proibido para as crianças.

      — Pegue a escada — ordenou Kurt ao irmão Werner.

      — A escada não dá... Ou tem de ser duas — afirmou o irmão, em resposta.

      — Vou subir no barril— Kurt, de onze anos, vestindo roupas típicas da região, começou a empurrar um velho barril de carvalho vazio que estava próximo, e seu irmão, de doze, juntou-se a ele para o feito.

      Ambos subiram no barril e apoiaram as mãos na beira do tanque de fermentação de vinho olhando para dentro. Observaram o aspecto floculoso da mistura do mosto com as películas das cascas flutuando na superfície e inspiraram o forte e agradável aroma de uva fermentada. Kurt, então, colocou dentro do tanque um fino cano oco de metal para tentar sugar e beber o vinho em fermentação.

      — Não dá... Não sai nada! — afirmou Kurt após o esforço da primeira tentativa.

      — Tem que colocar a ponta para baixo das cascas! — Werner se inclinava para dentro do tanque para visualizar melhor. — Veja se entupiu!

      Kurt retirou o comprido canudo metálico e sacudiu ao lado do corpo. Depois, inclinou-se sobre o tanque, colocou o canudo para dentro da mistura mais ao fundo e se inclinou ainda mais para dentro para a segunda tentativa.

      — É bom...! É quentinho e doce! — exclamou animado por ter conseguido provar um pouco do vinho.

     —  Deixe-me provar! — pediu Werner já tomando o canudo das mãos de Kurt. Ele se inclinou, também, sobre o barril e depois exclamou: — Eu consegui! É doce como uva! — E voltou a beber o vinho.

     —  Ei! Minha vez!— Kurt empurrou um pouco o irmão que se inclinou para o lado, mas não soltou o canudo e nem parou de beber. — Larga... Minha vez— desta vez, enfiou a mão para dentro do tanque e agarrou o canudo puxando-o para si.

Através do mundo NemtsiWhere stories live. Discover now