Capítulo 4 - Encontro

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Oh os olhos dela, os olhos dela. Fazem as estrelas parecerem que não têm brilho. O cabelo dela, o cabelo dela recai perfeitamente sem ela precisar fazer nada. Ela é tão linda. ♫ (Just the way you are, Bruno Mars)

MURILO

Já perdi as contas de quantas vezes estive em uma sala dessas desde que tinha 16 anos. Uma vez por semana, toda semana durante o ano inteiro, sem pausa até para o natal, dá o quê? Uns 52 dias? Vezes seis anos? Caralho, já são mais de 300! Muito tempo. E sempre é a mesma coisa, o mesmo sentimento ruim de ter desperdiçado a vida.

O carma da minha família, claro, passou para mim. Por mais que eu quisesse ter sido um adolescente responsável e focado, como o Max, não tinha jeito. A forma como fui criado não me deu base para isso. A gente cresceu no mesmo lugar, a favela do Alemão, só que ele tinha pais de verdade. O meu pai foi embora e minha mãe só sabia se drogar.

O resultado? Você deve imaginar. Com 11 anos, já fumava cigarro e maconha, além de ser aviãozinho da boca perto de casa. Eu bebia todo dia, tinha relações sexuais e segurava com frequência uma arma. Sabe, o tráfico é sedutor. Ele chega oferecendo prazer, facilidades e, principalmente, poder. Quando você é um fodido sem perspectiva, se sente como um rei. Uma pessoa importante no sistema. Mas tudo tem um preço, não é mesmo? E na favela ele é bem alto. Ainda bem que descobri isso cedo. Podia nem estar vivo agora.

O Max também se divertia, porém, nunca se envolveu com o tráfico e nem deixou de focar nos estudos. Graças a sua insistência, eu também frequentei a escola. E era um ótimo aluno. Não fossem minhas sombras, poderia ter tido um futuro melhor. Como ele.

Passo o olhar pela sala e vejo velhos rostos misturados com os novos. Esses últimos assustados e incrédulos. Lembro bem quando entrei por essas portas pela primeira vez, depois de cumprir pena de um ano na unidade de internação para menores da Ilha. Aquele inferno da porra. Foi o pior ano da minha vida, pior que o meu pai ter me abandonado e minha mãe fingir que eu não existo. Na primeira vez vim forçado, achando isso tudo uma piada. Mesmo passando 365 dias preso, era o mesmo idiota de antes.

Frequentar os Narcóticos Anônimos, religiosamente, até 18 anos, fez parte da minha condicional. A escolha de continuar vindo aqui, quatro anos depois, nem eu sei. É um lembrete do que eu era e aonde preciso chegar. Estou longe, bem longe do ideal, mas ficar afastado das drogas já é um passo fundamental. Hoje em dia só bebo.

Observo Vagner vindo em minha direção e ajeito-me na cadeira. Ele foi como um pai para mim quando mais precisei.

— E aí, Murilo, como vão as coisas?

— Na mesma, cara.

— Que desânimo é esse? No que está pensando? Estava observando você de longe, parece em outro planeta.

Merda, eu devo estar viajando demais ultimamente. Claudinha já me disse isso semana passada.

— Eu ando mesmo, não sei o que está acontecendo comigo — falo, mas imediatamente me arrependo. Não sou esse tipo de cara.

— Murilo, é normal se sentir assim. Você carrega muito nos ombros. Não quer falar sobre como estão as coisas? Como está conseguindo se virar? Não precisa fazer isso sozinho. Eu já disse, estou aqui para o que precisar.

Vagner sabe sobre toda merda da minha vida: como foi antes, durante e agora. Não sei qual fase é mais assustadora, cada uma com um desafio diferente.

— Eu sei que sim. Tu me ajuda mais do que pode imaginar — confesso e observo o rosto dele se encher de uma emoção que não conheço. Ele dá um suspiro e me abraça forte.

Infinito enquanto dure [DEGUSTAÇÃO | DISPONÍVEL NA AMAZON]Where stories live. Discover now