Capítulo 2 - Confusão

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Queria ser como os outros e rir das desgraças da vida, ou fingir estar sempre bem. Ver a leveza das coisas com humor, mas não me diga isso. ♫ (A via láctea, Legião Urbana)

MURILO

Mais um dia se passa e eu não sei o que estou fazendo da minha vida. Hoje é meu aniversário de 22 anos, só que não tenho motivo nenhum para comemorar. Na verdade, não tenho ninguém para lembrar a data. Porra! Não acredito que dei para filosofar agora. Ou pior, ficar triste. Merda de bebida.

Acho que o tempo torna a gente mais maduro, ou sei lá. Se bem que não posso me considerar uma pessoa madura. Estou aqui parado neste bar pela terceira vez só esta semana, e hoje é quinta! Já pedi a quarta dose de vodca enquanto aguardo Vanessa. Nossa! O nome dela é Vanessa mesmo? Preciso começar a anotar para não levar tapa na cara.

Ahhhh, as mulheres! Se tem uma coisa que não posso reclamar na vida é de aproveitar. Pelo menos nisso o universo foi bom comigo, ou não. Depende do ponto de vista. Caralho, preciso de outra bebida para acabar com essa baboseira.

— Rafa, manda outra dose aí, cara — peço entregando o copo ao meu amigo.

— Mas já, Murilo? — pergunta sorrindo. — Calma, cara, tu acabou de chegar. Desse jeito não vai ser uma boa companhia.

— Não preciso ser boa companhia. Só preciso dar o que elas querem.

Rafa gargalha do outro lado do balcão e enche meu copo novamente. Sento de lado na cadeira e começo a observar o local. Vanusa está atrasada. Odeio esperar. Vanusa? Murilo, é Vanessa, porra!

Minha rotina está acabando comigo. Mal consigo dormir quatro horas por dia. Acordo cedo com tanta coisa para resolver que dá até desgosto abrir os olhos. Mas a gente tem que abrir, não é? Tem conta para pagar, comida para comprar, roupa para vestir... Quem dera, entretanto, esses fossem meus únicos problemas.

Queria poder voltar no tempo e ter tido uma vida diferente. Só que, para isso, teria que ter outra família. O universo, definitivamente, estava de TPM no dia em que nasci. Porque, olha, foi foda!

Não me lembro de um dia, um dia sequer de felicidade na minha infância. Ao invés de brincar, estudar e fazer amigos, passei o tempo limpando as merdas que meus pais faziam. Nenhuma criança deveria ter pais mais imaturos do que a própria criança.

Quando tinha apenas 7 anos, o homem que doou seu espermatozoide para eu nascer simplesmente saiu de casa. Lembro como se fosse hoje essa porcaria. Estava vendo TV na sala, o Capitão Caverna, que adorava. De repente ouvi gritos e barulho vindo da cozinha. Era mais uma briga deles. Não que eu já não estivesse acostumado, mas aquela parecia diferente, mais séria.

Meu pai começou a acusar minha mãe de não ser uma boa esposa, de ter desgraçado a vida dele engravidando de mim na adolescência. Pois é, ele disse que eu era uma desgraça. Culpou-a do seu vício na bebida e na cocaína, afirmando fazer isso para esquecer a realidade.

Minha mãe chegou a me defender, dizendo que não era desgraça nenhuma. Deveria ter sido benção para eles, se não fosse tão canalha. Ele, porém, continuou cuspindo mais e mais atrocidades. E eu lá ouvindo.

Peguei Dona Maria chorando pelos cantos da casa incontáveis vezes. Meu pai não foi um marido fiel. Ela sabia disso, mesmo assim não o largava. A tristeza a fez parar de se preocupar comigo antes mesmo de engatinhar. Seu tempo também era dedicado à bebida e às drogas. E eu? Bom, ficava jogado no canto da casa o dia inteiro. Sorte a minha ter uma vizinha boa. A Dona Emília sempre vinha me ver para colocar fraldas limpas e dar um pouco de leite.

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