Capítulo 2

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Inglaterra, 1345

O som das risadas sumiu. Ele apenas via a jovem descendo as escadas. Seu vestido movendo-se delicadamente a cada passo que ela dava. Notou a respiração curta e entrecortada dela, obviamente fruto do espartilho que lhe apertava os seios.
- Henry, está sendo rude, encarando Lady Renee despudoradamente.
- Desculpe mãe, mas uma beleza como a dela deve ser admirada. – ele respondeu com um breve sorriso, sem retirar os olhos de cima da jovem. A iluminação proveniente das velas fazia sua pele parecer de veludo e deixava suas bochechas com um tom corado adorável. O leve cheiro do fogo que vinha dos castiçais se misturava ao perfume de baunilha que vinha da direção dela, deixando-o mais inebriado com sua presença.
- Querido, ela é sua noiva. Não falte com respeito a ela ou sua família.
H.R.H. Príncipe Henry captou pelo canto do olho que a rainha sorria. Virou-se, querendo saber o motivo do sorriso, quando notou que o pai possuía o semblante fechado que lhe era característico, mas Henry sabia que algo estava errado.
- Há algo que lhe incomoda, Majestade?
- Sim, sua clara falta de educação. Fitando a jovem que lhe foi destinada, em público, e conversando com sua mãe sobre isso. Respeite-a até o momento em que ela for de fato sua, pois até esse momento, ela será do pai dela, e se ele achar que você está desonrando a Casa do barão de Cromwell, Deus salve a Inglaterra de sua ira.
Henry fitou o pai, boquiaberto, o que não era a postura de um príncipe sua mãe lhe fez o favor de lembrar, ao lhe fechar a mandíbula inferior com um toque delicado.
- Mas ela já é minha! – Ele falou apressadamente, notando que a família de sua noiva se aproximava. – Ela foi prometida a mim! Ela é minha, obviamente.
- Será sua quando o pai dela entregar-lhe a mão de sua filha perante o padre. Até lá, seja homem e se comporte como o esperado do príncipe da Inglaterra, e não como um jovem camponês tolo, governado pela libido.
O assunto foi encerrado com a chegada da família da jovem. Mais uma vez Henry voltou os olhos para a jovem Renee Cromwell e se viu perdido na profundidade daquele mar azul.

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O teto branco entrou em seu campo de visão ao abrir os olhos. Já fazia uma semana que estava sonhando com alguns séculos passados. Não fazia ideia de quantos séculos, mas tinha certeza que seus sonhos se passavam na idade média. Suspirou pesadamente enquanto se sentava, coçando levemente a cabeça. Não compartilhara seus sonhos com ninguém, tinha receio do que as pessoas diriam se soubesse o que andava se passando em sua mente.
Pegou o roupão que estava jogado em uma poltrona no canto do quarto e o vestiu enquanto descia lentamente as escadas que levavam ao andar inferior de seu apartamento. Passou rapidamente pela sala e foi até a sacada, onde estava o cavalete com uma tela em branco. Essa era uma coisa que poucos sabiam sobre ele, mas Harry gostava de pintar. Ultimamente não encontrava tempo para isso, mas gostava de fazer quando precisava relaxar ou quando sentia que tinha algo lhe incomodando. E era justamente esse o caso: o rosto de Lady Renee Cromwell não saia de sua cabeça.
Pegou as tintas em um pequeno armário ali perto e voltou para a tela. Os pincéis trabalhando para misturar tons, a tela em branco a sua frente, tudo parecia correto. Até mesmo o ar frio que dominava a noite de Londres. Sentou-se em um banco alto e enrolou os punhos do roupão até o cotovelo antes de começar a pintar a imagem que ultimamente não tinha outra morada que não sua mente.

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As aulas na Bespoke Bureau já haviam terminado. Fora aprovada com honras e seu diploma era acompanhado pelas indicações dos melhores professores. Agora era questão de se preparar para o que viria pela frente. Renata tinha apenas uma semana para fazer o teste para o cargo no Palácio de Buckingham, mas o embrulho no seu estômago e a ansiedade que martelava seu coração fazia com que ela tivesse a sensação de que o teste seria em apenas algumas horas.
Estava sentada em uma espreguiçadeira no telhado de seu apartamento. Dali ela escutava os barulhos que os clientes faziam no Coffee, assim como sentia o cheiro forte de café misturado ao doce aroma dos pães. Lentamente começou a relaxar. Havia passado a tarde inteira revisando coisas que poderiam pedir para ela no teste, e agora que começara a descansar a ansiedade a havia dominado, fazendo-a correr até o telhado.
Ouviu um barulho do outro lado das plantas que serviam de cerca, dividido o telhado ao meio. Do outro lado das plantas ficava uma extensão do Coffee. Mesas espaçadas ao ar livre e com iluminação baixa e fraca, dando a tudo um ar romântico. Era Jully, uma das garçonetes do Coffee, retirando a louça de uma mesa depois que um casal havia ido embora. Ela viu Renata por entre as ramagens e deu um sorriso.
- Boa noite Renata.
- Boa noite, Jully. Como anda o movimento hoje?
- Ah! Hoje está tranquilo. Ontem que foi mais apertado aqui. A Claire estava quase indo te chamar, mas ficamos sabendo que você tem um teste importante daqui alguns dias.
Renata afastou as plantas e foi para o lado do Coffee. Deu um sorriso ao ver os braços cheios de Jully, assim como seu uniforme já desalinhado devido ao dia inteiro trabalhando.
- Quer ajuda?
- Não...aqui tá tranquilo. Então. Que teste é esse?
Mais uma vez, Rê deu um sorriso. Uma coisa era ela falar que tinha um teste importante para os pais (e aparentemente eles espalharem isso para Deus e o mundo). Outra coisa completamente diferente era ela contar que tinha um teste no Palácio de Buckingham. Isso era informação confidencial.
- Apenas um teste em um hotel. – mentiu brevemente.
- Que bom! Boa sorte, então. Vou descer para levar isso logo, antes que a Claire decida brincar de fazer todos ouvirem os sinos.
Riram brevemente com o comentário enquanto Jully se retirava. Renata voltou para sua parte no telhado e estava descendo a escala circular que levava até a sacada da sala de seu apartamento, quando ouviu no andar de baixo o som estridente dos sinos de Claire. Quando montou o Coffee, ela percebeu o quanto seria desagradável ficar gritando ou chamando os funcionários em voz alta. Isso iria incomodar muito os clientes. Claire, então, decidiu ir pelo sistema dos antigos nobres em seus castelos: manter um par de sinos próximo a ela, que seriam usados para chamar a atenção dos funcionários. Renata riu ao ver as sombras passando pelas janelas no andar de baixo e refletindo na grama do jardim que havia nos fundos. Conseguiu identificar a silhueta baixa de Claire e a esguia de Jully enquanto elas andavam de um lado para o outro na cozinha, atrapalhando o serviço dos cozinheiros.
Terminando de descer os degraus que a levavam até sua casa, Renata entrou na sala e jogou-se de qualquer jeito no sofá, ligando a televisão no processo. As imagens e o som serviam apenas para tentar distraí-la. A conversa com Jully havia trazido a sua ansiedade de volta.

Efeito MorphailWhere stories live. Discover now