Capítulo 4

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O lado ruim de se morar sozinha definitivamente é o fato de que não há ninguém a sua espera.Você finalmente está livre para chegar a hora que bem entender e a louça pode se acumular na pia por dias, sem maiores riscos de aguentar o esporro feroz da sua genitora.Bom,pelo menos era assim que eu pensava.Quando eu morava com meus pais, é certo dizer que eu não era a mais proativa das filhas principamente no que dizia respeito as tarefas domésticas.Acontece que a vida adulta acaba te trazendo um senso de responsabilidade maior (leia-se, eu não queria que o síndico me chamasse a atenção caso as baratas começassem a surgir) ,de modo que aqui estava eu, 8horas da manhã de um sábado lavando louça.
E o fato de que o sol já estava despontando em um céu azul claro, nada tinha haver com meu ânimo matinal para adiantar os afazeres caso eu recebesse uma mensagem de uma certa pessoa para caminhar no parque.
Definitivamente não.
Muito menos o fato de que eu passei a noite inteira pensando que eu não possuía roupas para praticar caminhada.Minha vida sempre se resumiu em all star, jeans, camiseta e o uniforme da empresa.
Terrível.Eu sei.
Eu sempre achei que assim que saísse da faculdade deixaria de me vestir como uma adolescente e me tornaria a epítome da mulher estilosa.Acontece que adultos priorizam o conforto e cá estou eu, com uma leggin preta, all star branco e um moletom da gap olhando a tela de um celular parcelado em dez vezes no cartão.
Suspirei uma última vez e quando já estava a caminho do armário em busca do aspirador de pó,imaginando a tarde incrível que eu teria ao lado desse objeto incrível da faxina meu celular começou a tocar.
Meu coração deu um leve sobressalto quando escutei a voz rouca de Artur me dizendo pra encontrá-lo no Parque Barigui dali á uma hora ou ele iria descobrir meu endereço e me puxar da cama quente pelos pés.
- Pois saiba você que já estou de pé,só adolescentes dormem até tarde no sábado. - Me justifiquei.
- Que mentira!Aposto que ficou ansiosa pro nosso encontro e mal conseguiu dormir. Seu comentário me deixou sem graça mesmo de longe.
-Você é bem convencido não acha?Estarei lá daqui á uma hora.Ou mais.Ser pontual não é um dos meus pontos fortes.
Desliguei antes que falasse mais coisas desconcertantes.Ou que desmarcasse.Não que eu estivesse desesperada ou algo assim.Só queria uma companhia que não fosse o aspirador de pó.
Cheguei no local marcado para minha surpresa, com antecedência (será que ia chover de tarde?) o que foi bom já que Artur ja estava lá me aguardando.
Ele trajava uma bermuda,camiseta e tênis de corrida simples e ao seu lado um labrador chocolate me olhava com empolgação a medida que eu me aproximava.
-Você tem um cachorro! Que demais!Sempre quis ter um mas minha mãe nunca deixou - Eu disse enquanto alisava os pêlos lustrosos daquele cão gigante.
- Esse é o Bóris,meu cão guia.Ele me ajuda quando tenho que ir a lugares longe de casa. -Ele me explicou enquanto íamos caminhando devagar.
- Ok, você é bem estranho - Eu disse, o que fez com que uma expressão confusa surgisse em seu rosto.
- Bóris não é nome de cachorro fala sério.Existe Ted,Bob,mas Bóris francamente - expliquei entre risos.
- Valorizo os jornalistas locais ok?Meu pai gostava muito do Bóris Casoy e achou um bom nome.- Me confessou sem jeito o que me proporcionou um ataque de risos.
Caminhamos tranquilos, sem uma direção exata apenas desfrutando do clima agradável que se instalara naquela manhã.Descobri que Artur era de Santa Catarina, mais especificamente de Blumenau mas havia se mudado para Curitiba para ter uma independência maior dos pais e morava sozinho, não muito longe dali.
-Mas isso não é ruim?Quero dizer,achei que por você estar nestas condições iria querer todo o suporte familiar possível. -Lhe indaguei.
Deus, perdoe minha falta total de tato.
- Aí é que esta Daniela.As pessoas acham que porque sou cego preciso de ajuda 24 horas por dia e não é bem assim.Sei que posso me virar como qualquer cara da minha idade.- Explicou.
-Entendi.Me desculpe pela falta de jeito ao abordar esse assunto.
-Sem problemas.Gosto do jeito como você fala as coisas abertamente.A maioria das pessoas está sempre muito preocupada como vou me sentir se me disserem certas coisas.E quer saber?Eu não ligo.Mas e quanto a você, tem muitos amigos Daniela? - Quis saber.
- Hm,não muitos.Foquei minha vida nos estudos e no trabalho.E eu também não sou muito de sair. - Disse um pouco encabulada.
- Então você não é o tipo de pessoa que deu trabalho pros pais?
-É,tipo isso.E quanto a você?
-Não era nenhum santo quando enxergava.Sinto muita saudade da minha moto.- Disse ele com um ar saudosista.
-Você tinha uma moto?Então era um badboy?
Ele riu,um sorriso cheio de covinhas se formando em seu rosto algo que me dizia que as garotas da época haviam sofrido muito pelo homem que estava do meu lado.
-E seus pais aceitaram você vir morar aqui numa boa?.Perguntei.
- Minha mãe relutou inicialmente mas tive de relembrá-la que já sou de maior.Agora onde está o vendedor de caldo de cana para que eu pague minha parte do acordo?
O restante do passeio transcorreu da melhor forma possível já que Artur me pagou não um mas três caldos de cana.Percebi que ele não gostava de falar de si mesmo mas adorava me fazer perguntas,principalmente as relacionadas a minha infância em Umuarama.
-Eu não acredito que você cabulava aulas de piano para jogar esconde esconde na rua.- Ele expressava sua incredulidade com minhas estrapulias.
- A rua era mais interessante aos meus olhos naquela época.Infelizmente a maturidade chegou mais tarde.
- E por que não retoma as aulas?
- Agora? Depois de velha?
- Pff,por favor o que te impede?Temos todo o tempo do mundo enquanto ainda estamos vivos.
Senti que ao proferir essa frase ele não estava se referindo somente as minhas aulas e sim a sua vida.Queria muito poder perguntar a origem de sua cegueira mas achei melhor não avançar um limite que eu não sabia se tinha ou não.
Fitei seu maxilar e as formas de seu rosto e por um instante desejei ser uma das garotas que subiram na garupa de sua moto antigamente.
Meu celular tocou e sai de meu leve transe por um momento.
-Daniela,eu preciso de você agora na empresa.Esteja aqui em 15 minutos.- Meu chefe gritava a plenos pulmões.Suspirei pesadamente.
-Era do trabalho Artur,vou ter que ir mas foi um prazer passar a manhã contigo.Disse apressada já me preparando para mais um dia cheio que teria de enfrentar.
- O prazer foi meu Daniela,e não esquece o que eu te falei.Viva mais,você é muito jovem pra ficar tão enclausurada nesse mundinho de casa e trabalho.
- Não estou enclausurada,as contas precisam ser pagas,isso sim.
Me despedi brevemente de Artur e no caminho para a empresa pesquisei no google "aulas de piano" não que eu seja influenciável,mas,Artur tinha razão, o que me impedia?







Chegaste ao fim dos capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Apr 23, 2017 ⏰

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