A Conselheira - Sessão 1

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14 de Rova, Absalom - sempre Absalom

Talvez a data esteja errada. Aconteceu tão rápido que resolvi iniciar registros. Estou escrevendo enquanto o guarda se ausentou. Estamos com nossas coisas, inclusive a faca que pegamos. Então não devemos estar mesmo presos. Não sei o que querem de nós.

Estou me adiantando. Tenho que começar do início.

A noite foi insônia e aquele whisky barato. Não sei que horas eram, mas o dia começou com a placa. O marceneiro martelava ela na parede debaixo daquela chuva fina. D&D. Muito diferente do antigo D&L. Cada martelada era um soco. Insônia, álcool e aquele barulho não eram bom companheiros. Mas pareciam tão adequados para Absalom que não pude deixar de dar uma olhada para as redondezas, para aquele beco apertado e familiar do Distrito da Moeda.

Antes fosse uma questão só física. Não pude enterrar Lennigrast. Nunca vi o corpo. O martelo era como ferramenta de coveiro, esmagando os últimos pregos do caixão imaginário do meu amigo, marcando um ponto final na agência.

Não havia mais Dário & Lennigrast. Agora era Dário & Deimos. Ou pelo menos será, daqui a quatro dias.

Mas isso não importava. A placa estava no lugar, o marceneiro com duas coroas de prata, e a porta da agência bem trancada. Segui o meu caminho. Tinha que chegar cedo. Lennigrast estava metido em alguma coisa quando morreu. Sendo seu parceiro, companheiro nas mazelas que cobrem os desafortunados de Absalom, é claro que é uma merda de um dever moral descobrir quem encomendara o crime. Depois de achar um nome e um motivo... aí sim eu vou saber o que fazer.

A pista. Única, mas uma pista boa do caralho. Chegou por acaso. Pelo toque da sineta improvisada da nossa porta e pelas mãos encardidas de um carteiro. Era uma carta de Shire. Não sei o que Lennigrast estava investigando, ou fazendo, nos últimos meses, mas eu ouvi o nome Shire algumas vezes. Só o nome, sem muito contexto ou qualquer outra coisa que me fizesse saber a quem ele se referia.

Era uma carta de Shire. Mas não era uma carta para mim. Estava destinada à Lennigrast. Convocava para uma reunião. Ele não poderia ir, mas eu sim. O endereço era no distrito de Porão Oeste. Naquele mar de casas no melhor estilo baixa burguesia hipócrita.

A chuva estava fria, como todas as chuvas de outono. Minhas botas chapinhavam livremente nas poças sujas do Distrito da Moeda. Poucos me viram passar. Alguns vendedores se cobriam de lona e lutavam contra os buracos nos toldos. Outros já haviam mandado recolherem os pertences e não estavam lá para serem vistos, ou então tomavam café quente por trás de vidraças bonitas e embaçadas. Esses eram os mais ricos.

Na região do Bairro Oeste, no entanto, as ruas eram ruas de uma cidade fantasma. Tudo era barulho de chuva contra o chão e espectros difusos que às vezes me encaravam por trás das janelas. Andei rápido. Não por causa de qualquer perigo criminal. Pelo contrário. Preferia me manter longe dos tais "mantenedores da lei" da guarda da cidade.

Quando cheguei na rua de Shire, meu casaco pingava mais que a chuva e o chapéu só servia para esconder minhas entradas e gotejar em minha testa. Ainda assim não entrei no lugar. Uma casa com aquele ranho de baixa burguesia, como todas as outras. Estava cheio de suspeitas, com razão. Mas não pelos motivos que desconfiava na hora.

No fim das contas, não havia nada para achar ali. Apenas lama, mais casas silenciosas e o que ainda sobrava da chuva.

Não foi apenas um mordomo que me recebeu. Mas o avatar arquetípico de todos os mordomos. Empertigado e irônico. Sem humor e sem emoção. O homem me olhou de alto a baixo. Talvez achasse que eu não deveria estar ali molhando o seu saguão. Mas no fim das contas me tratou como hóspede e pendurou o meu chapéu. Não o sobretudo. Esse não aceitei. Tivesse que escapar do lugar, teria que passar fome alguns dias para conseguir outro.

Morte no Império de NanquimOnde as histórias ganham vida. Descobre agora